Que violência é essa que cheira a Ambre Solaire?
PARTE I de III
Numa esplanada aplaudida pelo sol ameno de Abril, confrontam-se dois homens. Cafés e portos, pernas cruzadas, tabaco de enrolar.
Imaginaste alguma vez a perfeição?, pergunta o aparentemente mais novo, com aquela condescendência no tom de quem sabe antecipadamente a resposta. É tão minuciosamente atenta à tua predilecção que te derruba, sustentando-te no cativeiro do seu fetiche, como numa gruta com maré-cheia, com o mesmo encantamento imberbe da espera angustiada do girassol entre os dois sóis.
O Outro não lhe respondeu. Fita-o, ao invés, com o sóbrio silêncio de quem não sabe o que dizer, mas que simula entendimento e cumplicidade.
Sim, decerto que já a imaginaste..., continuou o Novo. Mas tê-la-ás experimentado? Eu experienciei-a amiúde, e digo-te que é serena e suave, mas duma macieza astuta, como se te entendesse por absoluto.
O Outro endireita-se na cadeira, muda de posição. Observo-o com alguma indiscrição. Parece-me um desses licenciados cuja postura amadureceu no 3.º ano de faculdade; daqueles que pedem, com disfarçado sacrifício, whisky sem gelo; daqueles que sabem falar sobre actualidade política, económica, desportiva, mas nada mais, porque quando toca o abstracto ou o absurdo, já é coisa de diletantes e gente das artes. É um dr., ostenta a sua condição. Veste uma camisa de colarinho hirto por baixo dum pull-over de gola redonda. As mãos são fortes, à imagem das feições rudes onde a barba cerrada, feita à gillette, lhe colora o semblante duma cinzentude vulgar.
- Tens falado...? – perguntou finalmente o Outro, num tom abafado e solene, que lhe nem permitiu terminar a frase. – Não, retorque o Novo prontamente, enquanto os olhos lhe fogem ao redor.
A secura da sua resposta, somada à inquietação que transpirou de seguida, instituiu um silêncio perturbador que o onera duma rápida mudança de rumo. Então e o Pedro, como é que o gajo está, temos de combinar qualquer coisa, todos...
- Tchh, olha para aquela – interrompeu o Outro, enquanto trocava pesadamente a perna cruzada – ...aquela é que era! O Novo perseguia, com o olhar, mas não a pneumática mulher que deliciara a trivial atenção do Outro.
(continua)
1 comentário:
eu vou tentar n exagerar: ACHO k esta excelente!! nao tens noçao como emocionou. nao sei de onde vem tanta tristeza, mas sem duvida e arte
beijinho
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