'O homem vulgar, por muito dura que lhe seja a vida, tem pelo menos a felicidade de não a pensar.'


Bernardo Soares in Livro do Desassossego






23/12/2010

In the name of heroes, I am Joaquin Phoenix

Nem o Big Brother vai tão longe. I'm still here, documentário sobre Joaquin Phoenix, é uma exposição porventura gratuita de um ator em crise. É um tipo de filme que, normalmente, apenas passaria na secção Director's Cut do IndieLisboa, ou a horas tardias no Canal 2, mas a relevância mediática do protagonista levou-a para as salas de cinema.
(...)
Explique-se, para quem não sabe, que Joaquin Phoenix é um dos mais promissores atores da sua geração, foi duas vezes nomeado para os Óscares.
(...)
Neste filme, está em causa um conceito filosófico, amplo e difícil, de verdade. O que os jogadores de futebol chamam de ser igual a si próprio. Terá sido essa busca de identidade, por oposição às inúmeras peles que, por osso do ofício, os atores são obrigados a vestir, que terá levado Joaquin a permitir este documentário. Aceitou o jogo perigoso, numa sociedade de aparências, de se mostrar intimamente.
(...)
Ao logo de quase dois anos, Joaquin Phoenix foi filmado em todos os seus pecados, taras e manias e intimidades mórbidas. Não há censura, nem balizas. Vemos Joaquin a contratar prostitutas, a snifar coca, a vomitar ou até, para além do imaginável, quando o seu companheiro se vinga dele defecando na sua cara enquanto dorme. Por isso, estamos perante um filme extremo. Um voyeurismo realmente depravado.


16/12/2010

Muito bom



15/12/2010

11/12/2010

Opiário

É antes do ópio que a minh'alma é doente.
Sentir a vida convalesce e estiola
E eu vou buscar ao ópio que consola
Um Oriente ao oriente do Oriente.

Ando expiando um crime numa mala,
Que um avô meu cometeu por requinte.
Tenho os nervos na forca, vinte a vinte,
E caí no ópio como numa vala.

(...)
 
Eu acho que não vale a pena ter
Ido ao Oriente e visto a Índia e a China.
A terra é semelhante e pequenina
E há só uma maneira de viver.

Por isso eu tomo ópio. É um remédio
Sou um convalescente do Momento.
Moro no rés-do-chão do Pensamento
E ver passar a Vida faz-me tédio.

Fumo. Canso. Ah uma terra aonde, enfim,
Muito a leste não fosse o oeste já!
Pra que fui visitar a Índia que há
Se não há Índia senão a alma em mim?

(...)

Não posso estar em parte alguma.
A minha Pátria é onde não estou.
Sou doente e fraco.
O comissário de bordo é velhaco.
Viu-me co'a sueca... e o resto ele adivinha.

Um dia faço escândalo cá a bordo,
Só para dar que falar de mim aos mais.
Não posso com a vida, e acho fatais
As iras com que às vezes me debordo.

Levo o dia a fumar, a beber coisas,
Drogas americanas que entontecem,
E eu já tão bêbado sem nada! Dessem
Melhor cérebro aos meus nervos como rosas.

(...)

Caio no ópio por força. Lá querer
Que eu leve a limpo uma vida destas
Não se pode exigir. Almas honestas
Com horas pra dormir e pra comer,

Que um raio as parta! E isto afinal é inveja.
Porque estes nervos são a minha morte.
Não haver um navio que me transporte
Para onde eu nada queira que o não veja!

(...)

E quem me olhar, há-de-me achar banal,
A mim e à minha vida... Ora! um rapaz...
O meu próprio monóculo me faz
Pertencer a um tipo universal.

Ah quanta alma viverá, que ande metida
Assim como eu na Linha, e como eu mística!
Quantos sob a casaca característica
Não terão como eu o horror à vida?

Não fazer nada é a minha perdição.
Um inútil. Mas é tão justo sê-lo!
Pudesse a gente desprezar os outros
E, ainda que co'os cotovelos rotos,
Ser herói, doido, amaldiçoado ou belo!

(No Canal de Suez, a bordo)

Fernando Nogueira Pessoa




08/12/2010

Provavelmente, perfeita.



' (...)
Sou esfinge subtil no Azul a dominar, 
Com a brancura do cisne ou da neve fria.
Detesto o movimento, e estremeço a harmonia;
Nunca soube o que é rir, nem sei o que é chorar.
(...) '

Baudelaire, Le Fleur du Mal

05/12/2010

Incontaminada e cândida, tantos anos aquém (quantos anos foram?); meretriz da dignidade tombada e do decoro mirrado, hoje, no parque devasso onde os citadinos moribundos do sentimento acorrem, afoitos na busca da vã intimidade, como só pode ser a que se encontra num colo estranho e num ventre batido.

A menina doutrora, que um dia ouviu alguém com a adoração receptiva do vaso repleto, ávido da água germinante, é hoje a puta de olhar fétido, que me fita com o mesmo escopo de um pedinte astuto, incomodada pela minha aparente desatenção.

Percorro com passo apressado o passeio contíguo ao parque dos pecados, infamante do próprio Eduardo, de mãos no sobretudo e olhos no chão, de quando em quando palmilhando furtivamente a humanidade que lhe resta. A miséria esconde-se, improvável, não no seu rosto, mas atrás das janelas entreabertas dos carros que passam com o ajuizador vagar dos desafortunados do sentir; proletários redutores dos prazeres à carne examinam-na com expressões ásperas e másculas, esfregando as mãos crespas por cima de parkas grosseiras. Assumo que não seja fácil de reconhecer - mas existe uma subespécie que, como uma praga, dessensibiliza o Homem, mediocrizando-o aos poucos em virtude da matriz (sobre)vivencial da sociedade rendida ao rei Capital.

E ela, a do colo cansado – e sem que se pretenda aqui utilizar qualquer disfemismo – é a sobra do mundo. Quem dera devolver-lhe a esperança, saber se a menina dança, apresentar-lhe um C.E.O. clemente que lhe não comprasse o abraço e lhe beijasse a nuca enquanto dormia amarrotada numa camisa grande de mais para si, depois do banho, impregnada de aveia; que a levasse a jantar a sítios improváveis, falando-lhe do expressionismo do Pollock e do transtorno existencialista do Vergílio, das vantagens e vicissitudes da possível intervenção do FMI e de como o seu cabelo balouça enquanto mastiga, satisfeita; que a segurasse com a devoção inabalável de um católico filipino nas vésperas da Páscoa sangrenta, exorcizando a pouco e pouco os feitiços dos agrestes homens das janelas semiabertas.

Mas não… passo discreto, remoto por entre a minha fobia, longínquo de salvador e com a culpa de um pecador, expiada pela vergonha e suportação, enquanto ela fica para trás – cada vez mais para trás – entregue à próxima besta. Mas está tudo bem, creio que tudo esteja bem, já dizia o Conde d’Abranhos, ‘ele há questões terríveis’, mas está tudo bem. Onde é que jantamos hoje?

02/12/2010

"interviewer: what do you think about the t.a.t.u. cover of 'how soon is now'?
morrissey: who are t.a.t.u.?
interviewer: they're a couple of teenage russian lesbians.
morrissey: well, aren't we all?"

in NME.com

28/11/2010

'Escolher modos de não agir foi sempre a atenção e o escrúpulo da minha vida.'

Bernardo Soares, in Livro do Desassossego



06/11/2010

Peter Doherty - The Needle and the Damage Done

(Neil Young cover)



I caught you knockin' at my cellar door
I love you, baby, can I have some more?
Ooh, ooh, the damage done

I hit the city and I lost my band
I watched the needle take another man
ohh, ohh, The damage done

I sing the song because I love the Man
I know that some of you don't understand
Milk-blood to keep from running out

I've seen the needle and the damage done
A little part of it in everyone
But every junkie's like a settin' sun...

27/10/2010

No espelho fleumático da imperturbável selva concreta, entardeço. De que serve a coroa, se não serve a mais ninguém?

Passaram dias, anos, minutos. Até que olhasse de novo ao redor. E o mais inquietante é o facto de usar essa dor na lapela do casaco como o charme de um viúvo amoldado, caminhando como o George Lamb mas sem os tiques demasiadamente efeminados e com a mesma dureza equivocada que a voz de um estranho num atendedor de chamadas, só por nunca ter compreendido como raio é que ela ali foi parar, semi-nua no quarto de outro qualquer.

Suponho que o blasé se estatifica na alma e a inconsequência nos actos quando não há mais nada que o silêncio mortificante do barulho ensurdecedor de todas as vozes excepto a sua.

A felicidade é um momento, tal como o nascimento, o golo, a garfada, em que mais nada importa. (Perdoe-se-me a ausência de concordância verbal em número, mas) a felicidade são aqueles lábios doces, tementes ao cieiro, furtivamente cedidos – deliciosamente humedecidos –. Creio que felicidade é a ilusão sucessória do antes, como a utópica interrupção da inexorável continuidade do tempo; é uma consequência e não um objectivo!
Onde estaríamos nós se não te amasse para sempre mas apenas até à próxima manhã? Provavelmente, no limbo impassível onde estou agora.

20/10/2010

'They keep you doped with religion, sex and TV,
And you think you're so clever and classless and free,
But you're still fucking peasents as far as I can see.'

John Lennon



16/10/2010

10/10/2010

Presumptuous? Brilliant.

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30/09/2010

'A moda é a imitação daqueles que não querem dar nas vistas, por parte dos que o querem fazer. Daqui resulta a sua constante mutabilidade.' Paul Valéry dix



'A mudança das modas é o imposto que a indústria do pobre lança sobre a vaidade do rico.'
Sébastien-Roch Nicolas de Chamfort (Humorista 1741)

25/09/2010

'Some people say marijuana should be legalized... Well I think it should be mandatory.' 

Bill Hicks (1961-1994)



'Hicks material was often controversial and steeped in dark comedy. In both his stand-up performances and during interviews, he often criticized consumerism, superficiality, mediocrity and banality within the media and popular culture, describing them as oppressive tools of the ruling class, meant to 'keep people stupid and apathetic'.'

21/09/2010

Praia do Barril, Tavira, Abril de 2010.

11/09/2010

"Porque é que os portugueses são tristes? Porque estão perto da verdade. Quem tiver lido alguns livros, deixados por pessoas inteligentes desde o princípio da escrita, sabe que a vida é sempre triste. O homem vive muito sujeito. Está sujeito ao seu tempo, à sua condição e ao seu meio de uma maneira tal que quase nada fica para ele poder fazer como quer. Para se afirmar, como agora se diz, tão mal.

Sobre nós mandam tanto a saúde e o dinheiro que temos, o sítio onde nascemos, o sangue que herdámos, os hábitos que aprendemos, a raça, a idade que temos, o feitio, a disposição, a cara e o corpo com que nascemos, as verdades que achamos; mandam tanto em nós estas coisas que nos dão que ficamos com pouco mais do que a vontade. A vontade e um coração acordado e estúpido, que pede como se tudo pudéssemos. Um coração cego e estúpido, que não vê que não podemos quase nada.

Aí está a razão da nossa tristeza permanente. Cada homem tem o corpo de um homem e o coração de um deus. E na diferença entre aquilo que sentimos e aquilo que acontece, entre o que pede o coração e não pode a vida, que muito cedo encontramos o hábito da tristeza. Habituamo-nos a amar sem nos sentirmos amados e a esse sentimento, cortado por surpresas curtas, passamos a chamar amor. E com verdade. No mundo das ausências, onde a tristeza vem de sabermos muito bem o que nos falta, a nós e àqueles que nos rodeiam, a bondade, que nos torna vulneráveis aos sofrimentos daqueles que nos acompanham e nos faz sofrer duas vezes mais do que se estivéssemos sozinhos, é o preço que pagamos por não sermos amargos.

É graças à bondade que estamos tristes acompanhados. Há uma última doçura em sermos tristes num mundo triste. Igual a nós."


Miguel Esteves Cardoso, in As Minhas Aventuras na República Portuguesa

31/08/2010

Morreu.


Tão somente. Sem avisar, sem dizer que já não vinha, sem forças para encostar a mão à minha.
Naquela cama que A prendia, com aqueles tubos que não entendia, a soro porque já não comia.
Depois da azáfama, não é fácil acabar nos quatro muros duma cama, que nem sequer era A sua, mas que foi o Seu mundo por um mês.



E eu ali, tão afastadamente perto.
E eu ali, a pensar comprar um cinto novo, hoje esteve imenso calor, vou jantar não sei onde.
E Ela ali, com a existência a dissipar-se a cada fôlego, a respiração pesada e rápida, os tubos e a máscara, o calor e o sufoco.
E Ela ali, a testa sem rugas, as mãos macias, os ombros brancos, os lábios trémulos, os olhos descrentes na continuidade, cansados de abrir. Mas de cada vez que os abria, quando eu A chamava, via aqueles olhos lindos, repletos.



– Vinte anos antes, o quarto dos brinquedos, eu e o meu primo e os piratas e o barco e os cowboys e o forte da playmobil. E Ela a aparecer à porta, com bolo e com sorriso e com amor e com tanto que eu não consegui retribuir. Se a juventude soubesse, se a velhice pudesse. Não sabíamos todos, então, que a morte se esconde nos relógios –



E nós aqui,
a questionar a dignidade dos últimos tempos, a derradeira solidão, a constrição de ver o marido no hospital, o medo de estar sozinha, a queda, a coragem de se arrastar até ao telefone, a vontade de viver,
e eu ali, de pé na ambulância, a pompa face aos paramédicos, a merda do nome completo, o tom enfatuado, a arrogância que não soube esconder mas só porque não queria que A tratassem como outra qualquer.
E ela ali, rendida à maca, fendida pela dor, a memória é traiçoeira e hoje creio que havia um brilho à Sua volta, era Madona Esterhazy de Raphael, os olhos devotos em mim, e eu ali.



Passaram tantos anos – quantos anos foram? – que já não o sei fazer. E aqui, escondido, humilde e desarmado, só sinto a cara esticada, um arrepio dorido na garganta e na mandíbula e as memórias que me salgam os lábios. Não há desespero ou angústia. Só o vazio de nunca mais poder chamar-Lhe Avó.



A morte fala-nos com uma voz profunda para não nos dizer coisa alguma.



Imagino que pouca gente entenderá o que Ela fez por mim.
O que Ela fez.



E eu aqui, entre os que ficaram, só queria partir, sentir-Lhe o colo e ver o esquadrão classe a, telefonar-Lhe e fingir que sou outra pessoa, ouvi-La pedir que não saia hoje porque está frio. Agarrar-Lhe as mãos velhinhas e explicar-Lhe que a gratidão não prescreve, porque o amor olha a morte com ares de soberba, tomando-a por indigna de si.



Não há frases presunçosas ou conclusões silogísticas. Só o que sinto, adoro, admiro, quanto faz parte de mim e quanto conservarei para sempre. Não sei se Lho disse vezes suficientes; queria tê-lo repetido até ao expoente da demência.



07/08/2010

So proud of Mandela

'After 27 years in prison, they could not break him. He still comes with the same message.'
O crescimento da comunidade frutifica no indivíduo um interesse novo que o aparta da sua pena pessoal, da sua aversão à sua própria pessoa. Todos os doentes aspiram instintivamente a organizar-se em rebanhos, o sacerdote ascético adivinha este instinto e alenta-os onde quer que haja rebanhos; o instinto de fraqueza forma-os, a habilidade do sacerdote organiza-os.
Não nos enganemos: os fortes aspiram a separar-se e os fracos a unir-se; se os primeiros se reúnem, é para uma acção agressiva comum, que repugna muito à consciência de cada qual; pelo contrário, os últimos unem-se pelo prazer que acham em unir-se. Porque isto satisfaz o seu instinto, assim como irrita o instinto dos fortes. Toda a oligarquia envolve o desejo da tirania, tremendo continuamente por causa do esforço que cada um dos indivíduos têm que fazer para dominar este desejo.


Friedrich Nietzsche, in Genealogia da Moral

24/07/2010

16/07/2010

agora deixaste-me nesta onda...

'(...) mas não me deixe sentar na poltrona num dia de domingo'

14/07/2010

MJ a minha é mais esta!

04/07/2010

El diez
















'No me importa en que lío se meta

Maradona es mi amigo

y es una gran persona - El diez!'

18/06/2010

Esta brutal versão de K.I.M. de 'Meat is Murder' não estava no youtube, por isso servi a comunidade.

Requiescat In Pace, Rector


José Saramago pertence àquela nuviosa elite dos de que me orgulho, quase irrazoavelmente, que tenham nascido no mesmo sítio que eu. Afinal, a final, somos portugueses.
Hoje não vivemos na mera delimitação político-administrativa que é Portugal, assim organizada somente com o intuito de responder às necessidades organizativas e jurisdicionais.
Hoje não 'nasci aqui como podia ter nascido noutro lugar'.
Parece-me até que hoje não somos uma Bulgária ocidentalizada, terra de ciganos tementes ao dogma e à tradição, de homens indelicados e mulheres reverentes, receptáculos da germinação, criadas de adoração.
Hoje somos a terra de Saramago e Pessoa, Garrett e Reininho, Cunhal e Rêgo, vicariato de sublevação, na esteira do Reitor Insubmisso.

13/06/2010

Ambos lemos a Bíblia dia e noite, / mas tu lês negro onde eu leio branco

(...)
Both read the Bible day and night,
Though you read black where I read white
(...)                                        


William Blake, in The Everlasting Gospel (line 14-15)



V/A - The Smiths is dead (1996)


Tributo aos The Smiths

1. "The Queen Is Dead" The Boo Radleys 5:33
2. "Frankly, Mr. Shankly" The High Llamas 3:35
3. "I Know It's Over" The Trash Can Sinatras 6:16
4. "Never Had No One Ever" Billy Bragg 3:36
5. "Cemetry Gates" The Frank and Walters 4:15
6. "Bigmouth Strikes Again" Placebo 3:51
7. "The Boy with the Thorn in His Side" Bis 3:21
8. "Vicar in a Tutu" Therapy? 2:42
9. "There Is a Light That Never Goes Out" The Divine Comedy 5:18
10. "Some Girls Are Bigger Than Others" Supergrass 3:35

07/06/2010

30/05/2010

25/05/2010

CONTO - Que Violência É Essa Que Cheira A Ambre Solaire? (Parte I de III)

Que violência é essa que cheira a Ambre Solaire?

PARTE I de III

Numa esplanada aplaudida pelo sol ameno de Abril, confrontam-se dois homens. Cafés e portos, pernas cruzadas, tabaco de enrolar.

Imaginaste alguma vez a perfeição?, pergunta o aparentemente mais novo, com aquela condescendência no tom de quem sabe antecipadamente a resposta. É tão minuciosamente atenta à tua predilecção que te derruba, sustentando-te no cativeiro do seu fetiche, como numa gruta com maré-cheia, com o mesmo encantamento imberbe da espera angustiada do girassol entre os dois sóis.

O Outro não lhe respondeu. Fita-o, ao invés, com o sóbrio silêncio de quem não sabe o que dizer, mas que simula entendimento e cumplicidade.

Sim, decerto que já a imaginaste..., continuou o Novo. Mas tê-la-ás experimentado? Eu experienciei-a amiúde, e digo-te que é serena e suave, mas duma macieza astuta, como se te entendesse por absoluto.

O Outro endireita-se na cadeira, muda de posição. Observo-o com alguma indiscrição. Parece-me um desses licenciados cuja postura amadureceu no 3.º ano de faculdade; daqueles que pedem, com disfarçado sacrifício, whisky sem gelo; daqueles que sabem falar sobre actualidade política, económica, desportiva, mas nada mais, porque quando toca o abstracto ou o absurdo, já é coisa de diletantes e gente das artes. É um dr., ostenta a sua condição. Veste uma camisa de colarinho hirto por baixo dum pull-over de gola redonda. As mãos são fortes, à imagem das feições rudes onde a barba cerrada, feita à gillette, lhe colora o semblante duma cinzentude vulgar.

- Tens falado...? – perguntou finalmente o Outro, num tom abafado e solene, que lhe nem permitiu terminar a frase. – Não, retorque o Novo prontamente, enquanto os olhos lhe fogem ao redor.

A secura da sua resposta, somada à inquietação que transpirou de seguida, instituiu um silêncio perturbador que o onera duma rápida mudança de rumo. Então e o Pedro, como é que o gajo está, temos de combinar qualquer coisa, todos...

- Tchh, olha para aquela – interrompeu o Outro, enquanto trocava pesadamente a perna cruzada – ...aquela é que era! O Novo perseguia, com o olhar, mas não a pneumática mulher que deliciara a trivial atenção do Outro.

(continua)

21/05/2010

'Bush invaded a sovereign nation in defiance of the UN.

He's a war criminal! And now I'm supposed to be one of his disposable thugs with a fucking target on my head in the middle of the desert, waiting to be blown up by a car bomb rigged by a 12 year old who loved Friends and Metallica until one of our missiles blew up his house?!

I don't think so!'

11/05/2010



Heifer whines could be human cries
Closer comes the screaming knife
This beautiful creature must die
This beautiful creature must die
A death for no reason
And death for no reason is murder


And the flesh you so fancifully fry
Is not succulent, tasty or kind
It's death for no reason
And death for no reason is murder


And the calf that you carve with a smile
It is murder
And the turkey you festively slice
It is murder
Do you know how animals die?


Kitchen aromas aren't very homely
It's not "comforting", cheery or kind
It's sizzling blood and the unholy stench
Of murder


It's not "natural", "normal" or kind
The flesh you so fancifully fry
The meat in your mouth
As you savour the flavour
Of murder


No, No, No it is murder
No, No, No it is murder
Oh ... and who cares about an animals life?

19/04/2010

Que violência é essa que cheira a Ambre Solaire?

Que Violência É Essa Que Cheira A Ambre Solaire?

Parte II de III

(continuação)

O Novo perseguia, com o olhar, mas não a pneumática mulher que deliciara a trivial atenção do Outro.

- Há algo de terrificamente belo e ao mesmo tempo invulgarmente honesto na sombra de quem passa. Não há no mundo maior lealdade que a da sombra. Cúmplice, assiste-te no maior pecado, e soberba observa-te na mais maviosa bondade. Creio que sempre me pareceu a alma de quem persegue, despida de vanglórias. É verdadeiramente límpida. É como aquele momento único, sabes quando uma mulher, perfeitamente alinhada contigo, se estica e inclina a cabeça para trás para te chegar aos lábios? É quando lhe consegues ver os olhos semicerrarem e as pupilas dilatando-se em entrega, com o sangue subindo-lhe à face, corando-a de uma lascívia tímida que a embaraça, e mesmo antes de fechares os olhos sentes os corpos renderem-se ao peso do outro, e deixas de perceber como é que se mantêm em pé, e a última coisa que te lembras é pensar que o corpo dela parece estar dobrado para trás, como suspensa no ar, e absorves toda aquela fragilidade, tão crente em ti (!), e morres por um bocadinho?, sabes isso, sabes? Esse momento antes do beijo é beleza pura. A mesma beleza que encontras na sombra de quem passa.

Abandonei qualquer reserva para, incivil, me virar completamente na cadeira e observar o ar perturbado do mais Novo. O ritmo cavalgante atropelava-lhe as fiéis palavras. Humedecia os lábios a cada paragem e as sobrancelhas acompanhavam-lhe o desafogo. A sua expressão procurava algum assentimento do Outro, e o Outro... fitava-me com carregado cariz! E com razão. Dei um gole no café, olhei para as horas, estiquei as pernas, mexi no telefone, procurei o empregado, ouvi o Outro continuar:

- Continuas a ouvir Madchester, estou a ver... – Sim, diz o Novo, e continuou a falar, mas eu já não o ouvi porque só pensava no quão idiota tem um homem que ser para emitir tão desbotada interlocução a tudo a que o mais Novo tinha dito. Quão desprezíveis são esses encurtados de imaginação que sempre tentam etiquetar os outros, justificando-lhes as fantasias, circunscrevendo-os a alguma corrente. Quão moderada será a sua percepção, a ponto de o não deixar ver mais do que a palidez do meramente visível? Quão breves serão os seus conceitos que lhe não permitam abarcar tais paixões?

(continua)

15/04/2010

- Shoot him again.


- What for?


- Because his soul is still dancing.

02/04/2010

CONTO

Que violência é essa que cheira a Ambre Solaire?

Parte III de III

(continuação)

- Sou demasiadamente orgulhoso para achar que alguma mulher me ame; seria supor que ela sabe quem eu sou. Também me custa a crer que ame alguém; tal implicaria descobrir alguém da minha condição – lamuriava o mais Novo. O Outro baixou os olhos, endureceu a expressão, quis falar, manteve-se calado, disse por fim, - Suponho que seja verdade o que se diz no filme, a solidão é mesmo subestimada...

- Sem dúvida, e os olhos do mais Novo voltam a brilhar. E, doutro lado, as relações, as promessas, os compromissos, são sobrestimados. A sua erma condição é o relativismo. Na verdade, nada mais vale que o seu valor, e este é sempre aferido em relação a algo, sendo que tudo pode valer menos ou mais que tudo, comparativamente. Mas claro que não estou a falar de inconsequência, não me tomes por esses niilistas radicais que desdenham qualquer significação! Estou a falar da pueril imutabilidade de uma perturbação de alma que julgo eterna. Falo do meu inconformismo à razoabilidade do mero companheirismo, essa auto-imposta falácia colectiva, (e bem sabes que a crença força, quase que obriga a realização!). Claro que quem nunca sentiu o divino considera o mundano o requinte do ser. E provavelmente até sentiria essa sublimidade a que aspiro como inquietante e falsa.

O Outro sorri. Finge compreender.

- E a incredibilidade desses laços que nos unem, homem e mulher... – continua o Novo – mais não podem ser caracterizados senão como tragicamente melindrosos. Casamento? – ri-se – Só os gays e os religiosos é que se querem casar actualmente! Vês a ironia? Essa efemeridade latejante repercute-se até na economia e no modelo de trabalho. O indivíduo tem agora de ser móvel e adaptável. Os clássicos contratos de trabalho ad aeterno são raridades e a precariedade instalou-se. Nada dura, o instante rege. E o instante é egoísta. Uma relação só o é hoje, um compromisso apenas existe para trás e uma promessa só dura enquanto não se quebrar.

- Saber viver é saber adaptar-se..., riposta o Outro.

- Há uma bestialização concepcional que nos é inabdicável, por defeito. Somos todos filhos de um bando de bárbaros. E eu sou o filho, sou o herdeiro, de nada em particular. Apenas da minha obsessão em dissidiar. Ás vezes acordo de manhã só para abrir a janela e sentir a vida lá fora. Volto a dormir, a azáfama dos carros e das buzinas tranquiliza-me. Acordo depois do almoço dos outros, passeio despido pela casa, fumo e como. Depois deito-me e volto ao mundo real. – O Outro olha-o, estupefacto – Talvez a evolução da espécie passe por aí, pela marginalidade. Lá tenho tempo para existir.

- E existes mesmo? Parece-me que lhe foges..., diz o Outro, enquanto um sorriso mortiço lhe acentua a vulgaridade.

- Que culpa tenho, se a quebrantada intocabilidade de um afecto me agita o espírito e me amotina a razão?

- Parece-me que tu é que sobrestimas o que é simples e natural, insistiu o Outro, ostentando a sua pertinência.

- De forma alguma! Pelo contrário, redu-lo à descomplexidade com que Caeiro o interpretava. – Responde o Novo. Depois foge com o olhar, semicerra as pálpebras como se tentasse ler o longe. – Ou seja, concretizando-o em coisas simples: como a memória da violência daquele momento (que para mim assume a forma de uma brutidão desconcertante)... daquele momento perdido pelo Tempo e que já só relembro através da violenta sinestesia que combina o bege da areia e o azul do mar mais forte que o do céu, com o cheiro daquela pele impregnada de protector solar barato roubado num alisuper qualquer...

Subitamente, um estrépito ruído – duma forma sonora de kitsch que surpreenderia o próprio Gogol – perturba meia esplanada. O Outro atende. Frases curtas, desmotivadas. Tenho de ir, a patroa manda, apertos de mão, até qualquer dia, e nos olhos do mais Novo, que ficou sentado por mais um pouco, descobri aquele olhar com que os velhos ficam ao ouvir as histórias pujantes de vida dos netos. Demorei-me também. Até que o vi partir, primeiro nitidamente, com os olhos entretidos varrendo a esplanada, e os passos leves galgando a calçada; depois desvanecendo-se vagarosamente no meio da amotinada correnteza de gente que se dirigia para o Metro, naquele final de tarde.

Passados uns meses, vi o Outro num centro comercial num domingo de manhã, quando ia comprar uma barra de wax. Quase que o não reconhecia. Será a qualidade do que é vulgar susceptível de ser acentuada? Passeava-se em pegadas lentas, dominicais, com a camisa aos quadrados para fora das calças e o Tissot enfeitando-lhe o pulso, perseguido em pesaroso magnetismo pela mulher de cabelo escuro, sobrancelhas arranjadas e finas, feições sofridas e largas ancas; boa parideira, presume-se. Não há contacto, nem conversa. Não há nada nela que lhe peça água. Nem ele tem água para dar.

Quanto ao mais Novo, nunca mais o vi. Acho que quem souber povoar a sua solidão, saberá isolar-se entre as gentes.

Vejo-o às vezes. Sempre sozinho, sentado, fumando, sorrindo. O olhar remoto, apartada presença. É um homem só, um único inferno.

Vejo-o muitas vezes. Tantas, que até podia ser eu.

FIM

28/03/2010

17/03/2010

11/03/2010

'A universidade só iluminará o povo no dia em que lhe deitarem fogo.' Antero de Quental

Alma Nostra (terças-feiras, 23:12, Antena 1/ podcasts disponíveis em http://ww1.rtp.pt/multimedia/index.php?prog=1643) é arrebatadora, necessária e indesmentivelmente o melhor programa das rádios nacionais.

A sua elevação é manifesta. A minha atenção religiosa.

É por isso que a indelicadeza de alma que a seguir transcrevo - e que não surpreende, compreendendo-se que foi retirado do blog 31daarmada - não merece mais do que a brevidade do meu inteiro desacordo.

(é de sublinhar que o seguinte se trata de uma transcrição do blog 31 da armada, post de 15 de Abril de 2009, tal é o meu cuidado em não ser confundido com essas opiniões):

'Acabei de ouvir, no carro, o programa Alma Nostra, de Carlos Magno e Carlos Amaral Dias, na Antena 1.
Meia hora de referências, do género "li hoje no El Pais", "não sei se viu a capa do The Economist", de Fidel castro "que foi um homem que leu umas coisinhas", a "estrada de Santiago de Buñuel" e dos "descamisados de que eu gosto muito", etc.

No meio, Carlos Magno, refere a pintura (que vem na dita Economist) "não sei bem de quem é o quadro, se é do do Delacroix ou do Pierre-Henri David" da "revolução francesa", com os "sans-culotes ao lado a passarem por cima dos soldados de Napoleão" e a "marselhesa" no meio. Continuam a falar do outro quadro de "Pierre-Henri David" sobre "a morte de Marat na banheira, que está em Bruxelas". Mais ainda uma teoria "não há maior fenómeno de laicisação do que o quadro (de David da coroação) de Josefina, estão lá os padres todos mas quem a coroa, quem-se coroa é ele próprio". Ainda se falou de, no fim da monarquia, "aquela cobardia dos reis de França que aceitaram trocar a flor-de-lis pela tricolor", mas isso não mudou nada.


Quanto aos "sans-culotes", basta ver o senhor de casaca e chapéu alto (à esquerda da dita Marselhesa) para percebermos que quem seguia a Liberdade não eram só os operários ou os pobres e que a ideia é, exactamente, a contrária.

(...)

Já agora, dizer que Marat "morreu na banheira", sinceramente, é, no mínimo, desvalorizar o papel de Chalotte Corday no falecimente desse comichoso jornalista revolucionário.

São assim, as referências históricas do serviço público da rádio, tudo pelo amor aos descamisados.'

08/03/2010

'Apresentar-te aos deuses e deixar-te
entre sombra de pedra e golpe de asa.
Exaltar-te perder-te desconfiar-te
seguir-te de helicóptero até casa

dizer-te que te amo amo amo
que por ti passo raias e fronteiras
que não me chamo Mário que me chamo
uma coisa que tens nas algibeiras

lançar a bomba onde vens no retrato
de dez anos de anjinho nacional
e nove de colégio terceiro acto

pôr-te na posição sexual
tirar-te todo o bem e todo o mal
esquecer-me de ti como do gato'

Mário Cesariny, Londres, 1965
in Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica

(pontuação conforme original)

16/02/2010

09/02/2010


George Sand (pseudónimo de Armandine Lucile Aurore Dudevant) e Alfred de Musset escrevem-se, sendo clara a paixão de Musset e a frieza de Sand. Nesta altura, os dois amantes já estão separados - e é absolutamente sedutora a indiferença imperial com que a mulher trata o homem, tratando-o por 'meu amigo'.

Transcrição de Confession d'un Enfant du Siècle, de Alfred de Musset.

'De Musset a George Sand

Escrevi-te da última vez uma carta triste, talvez por cobardia, não me lembro, mas regressei (da nossa antiga casa) e confesso que é a única coisa que ainda não suporto. Só lá fui três vezes e saí sempre como que embrutecido, sem poder falar a ninguém. Dei com cigarros que tinhas estado a fazer antes de partirmos, e que tinham ficado num pires. Fumei-os numa estranha mistura de alegria e tristeza. Além disso roubei uma travessinha meio desdentada, abandonado no lavatório, e trago-a sempre na algibeira. Vê como te conto todas as patetices - mas para que havias de julgar-me mais heróico do que sou? Vou escrever um romance. Apetece-me muito contar a nossa história; e talvez isso me curasse e me pusesse o coração ao alto. Gostaria de te erguer um altar, nem que fosse com os meus ossos. Mas espero a tua licença formal.

(...)

De George Sand a Musset

Que Deus te conserve, meu amigo, nessa disposição de espírito. O amor é um templo que contrói aquele que ama, dedicado a um deus mais ou menos digno do seu culto; e o que há de mais belo no meio disto não é tanto o deus como o altar. Por que hás-de ter receios? Arrisca-te: que o ídolo fique de pé por muito tempo ou que logo se quebre, não impede que hajas construído um belo templo. Tê-lo-á habitado a tua alma e nele espalhado um incenso divino. Uma alma como a tua tem de produzir grandes obras. Mudará talvez o deus, mas o templo permanecerá enquanto tu próprio permaneceres. O coração é bastante rico e poderoso para renovar a divindade, se a divindade desertar do seu pedestal... Vai, tem esperança, e que a tua vida seja tão bela como os poemas sonhados pela tua inteligência. Aquele que sempre se entregar lealmente, generosamente, terá sempre que sofrer, sim, mas nunca terá que se envergonhar.'

19/01/2010

' e para o índio nada mais faz sentido; com tantas drogas por que só o seu cachimbo é proibido? '

14/01/2010