'O homem vulgar, por muito dura que lhe seja a vida, tem pelo menos a felicidade de não a pensar.'


Bernardo Soares in Livro do Desassossego






28/06/2009

26/06/2009


Jarvis Cocker (from Pulp) invaded the stage at the 1996 BRIT Awards in a spur of the moment protest against Michael Jackson's performance. Jackson performed surrounded by children and a rabbi, while making 'Christ-like' poses and performing his then-recent hit, 'Earth Song'.

Jarvis Cocker performed an impromptu stage invasion in protest. In the ensuing confusion, as security attempted to eject Cocker from the stage, three child performers received minor injuries.

Cocker was later detained and interviewed by the police on suspicion of assault. He was subsequently released without charge.

Jarvis said: 'My actions were a form of protest at the way Michael Jackson sees himself as some kind of Christ-like figure with the power of healing...'

17/06/2009

Parte I

E naquela manhã, ninguém morreu. Que ela soubesse, pelo menos. Nem no dia anterior, nem no que se lhe seguiu. Os crisântemos que carregava na mão murchavam como a sua fisionomia. A cada dia menos bonita, a cada dia mais velha, no rotineiro circular do mundo e das horas; e a cada ano que passava lhe pesava o cansaço na inversa proporção da esperança que lhe fugia.
Naquele cemitério de vazios e saudades, numa manhã em que o vento seco levantava a terra das campas que, lúgubre e aquosa, se lhe colava aos lábios húmidos, espreitou por entre dois mausoléus humildes e pareceu-lhe ver-me, sentado, prostrado, escrevendo, esmorecendo.

Como me lembro de a ver passar, na monotonia dos dias, carregando os seus crisântemos e as suas rosas e as suas mágoas pesando-lhe aos ombros. Caminhava com a ligeireza de quem quer passar entre a sentença do destino, com a audácia de quem foge a um sentimento, com a culpa de quem não sabe o que quer.

Danificada como eu, transtornada como eu.
Voltasse atrás e dir-lhe-ia, como a tantas outras, que lhe diria coisa alguma. Porque as palavras limitam-nos. Fossilizam o que é apenas efémero no não-destinado eterno.

A cada dia que passava espreitava como quem não acredita, por entre dois mausoléus de dor; e a cada dia mais bonita, e a cada dia a sua graça era maior.
E eu sonhava – porque tocar é realizar, e a realidade desaponta-me com a brevidade de um soluço – então sonhava. E às vezes atingia aquele anseio quase canibalístico e tortuoso que me não deixa sequer pensar.

Alheada como eu, mortificada como eu. Passa com a malha sombria que lhe dissipa a silhueta e com a mofina saia que lhe esconde a libido, mas lhe denuncia as pernas brancas e finas com a doce penugem escura, e com os calcanhares que tendem para dentro e lhe patenteiam um caminhar amoroso.
As minhas desusadas atracções revelam-se-me uma vez mais à medida que o órgão vomero-nasal lhe rapta as feromonas fugidias.

Inexplicável, incontornável. A congruência reside no insólito, e já tantas vez o expus às minhas repetidas amigas – quais cromos para troca! – parametrizadas pelo vulgar e forjadas pelo profano convencional, que agora mais se me assemelha a uma prelecção ponderada e artificial. Mas não o é! E, de tão farto que estou de depilações equivocadas, dietas malogradas, corpos postiços e trabalhados, cabelos pintados (e o kitsch que só pela profunda definição não lhe vale o privilégio de se dizer mais nada), tantos são os dias que, esticando-me, me tento agarrar ao que resta da minha identificação socio-cultural a este lugar…

As minhas desculpas. Os meus pêsames. Mas ela é a idealização do que me é edénico. Irreal como a vida, virtuosa como o sonho e fervente como só um sentimento pode ser.

Ela não existe.
Só existe na medida do que eu gosto, e do que não encontro. O romantismo é coisa pretérita na sociedade pragmaticamente descartável dos dias correntes. O objectivismo com que se analisa um sentimento, e a tibiez com que se pesa os prós e contras de uma emoção, substituíram os grandes actos dramáticos por Amor – que morreu, asfixiado, no vácuo moderno do companheirismo sexual.

09/06/2009

08/06/2009

'Já não há astro, hoje a lua é nova. Não há céu, nem estrelas, nem nuvens, nem chuva, nem vento onde dança a pena que te relembra do que é existir. Não vou estar, nem aqui nem em lado algum, para ninguém. Creio no que não se deveria querer e guardo por lá um amontoado de sonhos, esticados sobre o sol quente de Junho, que os destila. A minha visão ganha dicrotismo no resultado, porque é tarde (2:26 am), porque padeço dessa condição incurável que me entoja, e porque nem tenho resposta, nem a surpresa de um sim. Tudo deveria ser correspondente à nossa idealização; nada deveria ser o contrário disso. Face à ânsia, entrizo-me. É só mais um outro dia, mais uma outra noite, é mais um pouco do sempre de tudo, só mais um pouco de tudo, sempre…
não me incomoda esperar e ficar à espera consciencializa-me.
Neste teu prefácio vejo a minha história.'

Frank G. in Diaporese.blogspot.com

02/06/2009

De nihilo nihil

‘Conheço muito bem os homens para ignorar que muitas vezes o ofendido perdoa, mas o ofensor não perdoa jamais.’ Rousseau

Adulaste-me ao ver-me descer na fermentação da escarpada desnivelação do nosso pensamento, emprestando ao que tocava o meu triunfo supremo? Pois por mais que me forçasse, esquecendo a baixa tolerância ao esforço, afectivo ou não, essa perpetuação assegura-se-me tão patética quanto a dúzia ou a meia dúzia. Existem dezenas, centenas, milhares, por aí fora. Não reconheço a legitimidade de uma unidade popular, reduzida à contagem de ovos numa mercearia qualquer. E agora vejo o turpor rebolando com a vulgaridade do anti-esteticismo, como o som dos Buraca som sistema (que uma força inata não me permite escrever com k) atravessando a sala de óculos escuros e um enorme logo da Quiksilver estampado com a incandescência do fluorescente mau gosto, magnetizador da minha estupefacção, prendendo-me o olhar longe do livro que me ocupa as mãos. Incivil, observo o casal que por mim passa até ao cúmulo da insolência. Ela, estudante universitária daquele rechonchudinho portuguesmente saudável, de cabelo amaciado e sorriso simples, desloca-se invisível na sua vulgaridade cuja virtude é ser sóbria, ao lado dum anormal que parece saído dum pódio da ‘Volta A Portugal Em Bicicleta’. No iPod, Richard Ashcroft repete-me algo que imprime uma justiça poética ao momento. E ele, alto, magro, com barba forte, daquela que é feita diariamente e ainda assim não esconde a cinzentude da cara, com grossos pêlos pretos nos finos braços, alardeando uns calções logo no primeiro dia de calor do ano, e com esse tipo de ténis de montanhismo timberland's ou merrel's que os meus conterrâneos insistem em adorar. Nada há de mais profundamente anti-estético do que ténis. Só talvez o som dos Buraca Som Sistema. Impelindo o cadáver pela lavoura de sensibilidades do CCB, não conseguia esconder aquele labreguismo de quem nasceu em Portalegre, Penafiel ou algo do género (salve a vénia ao Conde d’Abranhos) e com olhos torpes desafiava perfidamente o meu olhar estacado, nessa tarde de dia 11 de Março de 2009. E agora, ao relê-lo, embrumado no crepúsculo que me municia de temperança, embusteiramente distanciado por estas poucas horas que me acentuam a bipolaridade arrogância-remorso, logo me diluo na definição última de todo o meu intelecto e tradução inequívoca do meu transtorno narcísico – toda a minha Frustração. De nihilo nihil. Multatuli disse que todas as virtudes têm irmãs ilegítimas que desonram a família. E eu – desprimor de tudo quanto todos pensam de mim – mais não sou do que o strictissimae sensu da Frustração... e tudo daria em seu desfavor (até a fertilidade do pensamento ou a coroa da razão), para sentir a normalidade indulgente; e enfraquecer-me, perdoando; e purificar-me, esquecendo. Mas é esta a minha limitude: a constância repetitiva da derrota e da sua irremediabilidade. Sei que o perdão valer-me-ia apenas a honra do eterno ódio. Minto-me e fustigo-me com o ensino socrático segundo o qual aquela formosura que me colora os sonhos é uma tirania de curta duração. Anseio pelo tempo quente e abafado em que as sinapses no cortéx são menos frequentes e abunda a inibição neurotransmissora, onde não reste um sopro dessa perturbação de ânimo com nome de mulher que me é predilecção suprema, fausta, imprudente dos sentidos. Serei maior depois.