'O homem vulgar, por muito dura que lhe seja a vida, tem pelo menos a felicidade de não a pensar.'


Bernardo Soares in Livro do Desassossego






24/12/2008

'and so this is Christmas...'


'Dói-me a cabeça e o Universo.'

18/12/2008

'(...) pretend you never went to school...'


She came from Greece she had a thirst for knowledge,
she studied sculpture at Saint Martin's College,
that's where I caught her eye.
She told me that her Dad was loaded,
I said "In that case I'll have a rum and coca-cola".
She said "Fine."
And in thirty seconds time she said:
"I want to live like common people,
I want to do whatever common people do,
I want to sleep with common people,
I want to sleep with common people,like you."
Well what else could I do?
I said: "I'll see what I can do."

I took her to a supermarket,
I don't know why but I had to start it somewhere,
so it started there.
I said: "Pretend you've got no money",
She just laughed and said: "Oh you're so funny!"
I said "Yeah?... Well I can't see anyone else smiling in here."
"Are you sure you want to live like common people,
you want to see whatever common people see,
you want to sleep with common people,
you want to sleep with common people, like me?"
But she didn't understand, she just smiled and held my hand.

Rent a flat above a shop,
Cut your hair and get a job,
Smoke some fags and play some pool,
Pretend you never went to school!
But still you'll never get it right,
Cause when you're laid in bed at night,
Watching roaches climb the wall,
If you call your Dad he could stop it all!

You'll never live like common people,
you'll never do what common people do,
you'll never fail like common people,
you'll never watch your life slide out of view,
and dance and drink and screw,
because there's nothing else to do.

Sing along with the common people,
sing along and it might just get you through,
laugh along with the common people,
laugh along even though they're laughing at you,
and the stupid things that you do,
because you think that poor is cool.

Like a dog lying in a corner
They will bite you and never warn you
"Look out!"

They'll tear your insides out
Cause everybody hates a tourist
Especially one who thinks it's all such a laugh
Yeah and the chip stain and grease will come out in the bath

You will never understand
How it feels to live your life
With no meaning or control
And with nowhere left to go.
You are amazed that they exist
And they burn so bright whilst you can only wonder why

Rent a flat above a shop,
Cut your hair and get a job,
Smoke some fags and play some pool,
Pretend you never went to school!
But still you'll never get it right
Cause when you're laid in bed at night
Watching roaches climb the wall
If you called your Dad he could stop it all, Yeah!

Never live like common people
Never do what common people do
Never fail like common people
Never watch your life .... slide out of view


And then dance, and drink, .... and screw
Because there's nothing else to do

I want to live with common people like you!

09/12/2008

...fool me twice, shame on you!

Longue vie à la bourgeoisie!’, bradou insolentemente Philipe Chesterfield em período convulso da história gaulesa, onde de entre a agitação social emergiam a passo os primeiríssimos traços duma esquerda totalitária, apropriadora, abolidora da propriedade. Chesterfield era uma peculiar figura da época: o francês mais britânico de França. Descendente da pequena burguesia de comércio, atingiu o restrito circuito da grande burguesia de capitais, tendo cultivado e mantido ao longo da vida os hábitos do país do qual o mar o separava. Bebia brandy em copos largos, fumava cachimbo, tomava sempre o chá das cinco e mandava os criados estrearem-lhe os fatos.

O que distingue Chesterfield do messiânico Obama? Este último surge como a grande salvação mundial, depois da maior diabolização da História feita a George W. Bush, por parte dos media, dos chefes de estado mundiais e, em última análise, por nós, o senso comum, mediante a consciencialização global da expiação de todos os males neste (conveniente) bode. Mas o que Bush representava eram os lobbies (do petróleo, do capitalismo selvagem, do grande capital), e como homem mediano que é, mais não soube fazer do que ser comandado por eles. O grau de desculpabilidade relativo a Bush será sempre, por força da sua inafastável mediocridade, infinitamente superior ao de Barack Obama, este oriundo das elites intelectuais norte-americanas, 44º presidente a quem é incutida a porventura mais difícil tarefa da breve história desse país: a constituição de um Estado Social de Direito. Menos não é admitido a uma democracia moderna e, agravadamente, a um presidente instruído com a formação de jurista em Harvard.

Mas no país mais rural do mundo, o povo massificado, gerador duma sociedade massificante (a insistência no termo é intencional uma vez que é a característica mais alienante a nível socio-cultural, no meu entendimento, por aniquilar a individualidade do ser), não permitirá nunca a inclusão de certos pilares sociais, pela etimológica aversão ignorante que guardam ao socialismo. A verdade é que este povo puritano e inepto não sabe distinguir a conotação estalinista do termo, obsoleta e enterradíssima (excepto na anedótica Cuba e na insignificante Albânia), da assepção europeísta, com carácter humanitário, onde o mercado continua a prevalecer embora com limites mínimos e óbvios, e da qual são corolários impreteríveis a acesso à Saúde, à Educação e à Segurança, e o combate aos efeitos mais flagrantes da pobreza. Já nada tem a ver com as concepções de Marx e Engels mas tão somente com solidariedade. Logo, só por força da mentecaptização do povo americano podem ser explicadas as caricatas e grotescas escolhas de Obama: Hillary Clinton para Secretária de Estado (que votou a favor da guerra no Iraque e que se demonstra ferozmente anti-iraniana), Timothy Geithner para o Tesouro, (um neoconservador que, como tal, rejeita toda e qualquer intervenção do Estado no mercado), Ralph Emannuel para Chefe de Gabinete (um extremista do proteccionismo do comércio e indústria norte-americanas, até agora tem cumprido o seu expediente na NAFTA), e Robert Gates, Secretário da Defesa da Administração Bush que Obama vai manter. O que o povo não percebe é que Obama acabou de nos bradar: ‘Longue Vie à la Grand Bourgeoisie, à concentração do capital e às multinacionais!’.

Parecem assim cada vez mais distantes as promessas de mudança (internas e externas) com que Obama inflamou os corações da ‘criadagem’, já amolecidos pela cor do candidato. Quanto a mim, mantenho-me céptico, no mesmo sítio onde me surgiu o desabafo que, umas horas depois, descarreguei no portátil: nesta fundação de madeira que irrompe pelo areal deserto do inverno, com a neblina da manhã a afastar os inconvenientes e massificados (lá está) veraneantes, com o meu sumo natural, os meus croissants e o meu jornal pela frente. Mas isso sou só eu, que odeio massas e integracionismos, euforias e soluções fáceis, e prefiro manter-me distante e frio, segregado do senso-comum, dissidente nos gostos e pensamento.

04/12/2008

Manifesto Autoscópico

O intelectual distingue-se pelo humor. Subtil, sarcástico, pretensioso. Frequentemente cínico. Distingue-se pela curiosidade e não pelo conhecimento – esse falacioso, facilmente adquirido por quem tenha tempo e móbil. Verbi gratia, um técnico de frio é certamente altamente qualificado em ares condicionados, um jurista em Direito, um talhante em carne, um médico em patologias, um psicólogo em comportamentalismo. Mas tal conhecimento na sua área e porventura noutras do seu interesse não os eleva ao estatuto do intelectualismo. Esse carrega o castigo da curiosidade. Ora alguém excepcionalmente curioso preencherá sempre as lacunas do que ainda não domina com a imaginação, com infinitas resoluções hipotéticas para o dilema com que se depara. Daí Einstein ter defendido que a imaginação é mais importante que o conhecimento, pois este é limitado, e a imaginação abarca o mundo.

Foi Auden que disse que ser-se livre (leia-se espiritualmente livre) é, com frequência, estar-se sozinho. Mas eu não quero subscrever as crenças de Vergílio Ferreira quando afirma que o destino do artista é o exílio; porém tenho que admitir que lhe parece obedecer como a um estranho mandato. Nada o intelectual deve trazer à rua; mesmo a sua vaidade é insignificante. E vive isolado porque é difícil acompanhá-lo, sendo o preço demasiado alto - quem caminhar a seu lado está condenado à ilimitude da condescendência. Mas é inevitável, no acatamento de uma condição, lembrar a ironia fatidicamente realista de Oscar Wilde, de que só há, na verdade, dois tipos de pessoas verdadeiramente fascinantes: as que sabem absolutamente de tudo, e as que não sabem rigorosamente nada.

Sinto tanto; penso demais. De forma que às vezes nem sei se o senti ou pensei, e o que senti e o que pensei. Foi pela convulsão de sentir e pensar e viver, que atingi a autoscopia, esgotante delírio de fuga minha a mim próprio, tendo chegado a juízo do que nunca julgarei. Assim sendo, é heteronimamente que te falo de seguida.

Agora ouves pretensiosamente Nick Cave e ostentas no metro os livros chatos que finges ler nos cafés. Os óculos deixaram de te diminuir e hoje usa-los às vezes como estilo pessoal. Passaste a fase dos nerds e dos radicais e da auto-afirmação. Aparentemente, a pirâmide social já não te empolga. Porque pensas que és tão melhor que os outros, e já fizeste tudo o que eles fazem, e já atingiste tudo o que procuram. Já mais nada aquele mundo tem para te oferecer que não tenhas conseguido. Os teus amigos parecem-te todos iguais, a andar em círculos ano após ano. As ambições dos que te rodeiam são, simplesmente, provincianas. Os seus sonhos tacanhos. Desististe de emendar os traços simplistas dos demais, e noto que falas cada vez menos. Até o dinheiro (!) te parece mais pequeno que outrora. Vejo-te a olhar para o visual cinzento e indiferente de Jarvis Cocker da mesma forma que olhavas há anos atrás para o Sean Virtue.

Ah!... que pessoa detestável é que acha que os ingleses – povo tenebrosamente frio – são paradigma para tudo? (quando gostas de algo, gostas tanto que me enjoa – estou farto de ti!). A polidez, a sobriedade e o corte das roupas, o tom altivo, a resposta displicente, o trato entre as pessoas, o cinismo. Adoras blazers e tweeds e berloques e botões-de-punho. No teu entendimento obsessivo, qualquer conterrâneo teu se veste mal. ‘Nem tanto à terra, nem tanto ao mar’, dizes - com o sarcasmo alteando-te os lábios, e esse acento arrogante que não sabes esconder - utilizando condescendentemente um ditado popular – que tanto odeias! - (como se Sua Divindade falasse com a gente vulgar na sua linguagem), para criticar aqueles que usam os fatos impecavelmente assentes, estaticamente empertigados e saloisticamente vaidosos, ou os que abusaram do negligé, demasiadamente relaxados e consequentemente sujos. Naturalmente, só tu és dono do meio-termo.

Tens o transtorno do filho único? Gira tudo em teu redor: os pais, os amigos, as de género oposto que minimalista e redutoramente designas por ‘gatas’, os colegas, o trabalho… se alguém te sorriu, cortês, é porque lhe fizeste valer o dia. Qualquer acto teu para com os outros é uma concessão. Adoras os outros enquanto lhes permites o benefício supremo da tua simpatia indulgente. Adora-los enquanto te veneram, reverentes. És narcisista e querias-te multiplicar num espelho! (Isso parece-me mais transviante do ponto de vista sexual do que mero egocentrismo absurdo). És obcecado pela vida saudável; quererás viver para sempre? Porquê tanta fruta, e sopa, e exercícios, e suor? - Leste algures que as toxinas são expelidas pela transpiração; e que o chá e o café são antioxidantes - Mas por que raio não deixas pelo menos alguns radicais-livres correrem-te pelas células? Talvez ganhasses cara de homem, pelo menos.

As mulheres ofertosamente enfeitadas já não te estimulam. Descobriste, tantos anos depois, que a beleza é o cruzamento entre o olhar e o entendimento. É a perfeita harmonia entre o olhar que busca e a mente que encontra. E que – tal como Deus – está nos pormenores. Sempre adoraste, admito, uma beleza natural, ‘beleza arrancada ao sono’. Relembro-o e relembras-me quando escreves. Mas agora pareces deleitar-te com a imunda negligência da mulher que lê despenteada numa esplanada, com os óculos descontraidamente na ponta do nariz, quase deitada sobre duas cadeiras, relaxadamente abstraída, tão idílica quão enigmática, que nem repara em ti porque bronze e corpo definido têm os pedreiros, e Fred Perry’s é apenas uma insígnia, e um BMW é só um carro.

E aí talvez te apercebas que um intelectual não o admite nem se revê nessa concepção, e muito menos se adora frente a um espelho, e não tem esse ego que te mata (ou te há-de matar). E que um filósofo não escreve somente sobre si e sobre a sua dor. E que um artista para o ser tem que atingir um grau de distanciamento quase exilante, um estado de migração das emoções e vaidades que tu, mero amante – porque é o que és – jamais obterás. O artista imita a vida. Tu vive-la. E por muito diferentes que sejam as formas de agora o fazeres, sabes que só o vento, e com ele as moscas, podem mudar.

03/12/2008

A Mulher no Tempo e Espaço

Mulheres. No singular para mim, mas isso depende de cada um. Centro do universo, convergência da espiral, raiz profunda no órgão que revivalisticamente bate mais forte. Luz e obra-prima à escala universal.

Mulheres. As que me agradam não constam de nenhum catálogo objectivador das mesmas, FHM's e Maxmen's, Gina's cosmopolitizadas, onde as espécimes são ordeiramente alinhadas pelo tamanho das mamas e dos rabos que não me enganam; onde se expõem de forma camufladamente erótica, mas honrosamente pornográfica, emagrecendo a fantasia, que acaba por se desvanecer, com o folhear das páginas cruas e castradoras de emoções, carnais e passageiras. Com a facilidade com que esgotámos a mulher que vendeu a dignidade nas páginas 4, 6, 7 e 8, procuramos, numa irrealidade sucedânea, a que se despe nas páginas mais à frente. Assim, despidos de romantismo, transpomos para a vida este imediatismo sexual, com a descartibilidade de parceiros e a fisicalidade que horrivelmente o caracterizam.

Desprezo as Carolinas Patrocínios deste mundo, imaginações limitadas em corpos de 19 anos que não são eternos, de sorriso plastificado e olhar vazio, divindades desta Era iconoclasta, onde as massas (estúpidas, numa acepção churchilliana) são servos e senhores ao mesmo tempo, adorando o que lhes é imposto, impondo o que adoram. Ou as Soraias Chaves dos filmes que eu não vi, corpos de prostitutas em caras de saloias, que se pornotraficam e se tornam estrelas de cinema, sob a direcção de cinéfilos beirões, comentadores desportivos num qualquer programa semanal.

As mulheres, por sua vez, envergando a bandeira dum feminismo póstumo ao dos movimentos pela igualdade civil dos anos 60 (que defendo incondicionalmente), camufladas por um neo-sufragismo justificador cuja demanda é tornarem-se os “homens” da actualidade, desrespeitam-se mais agora do que em qualquer outro momento da História. Homens e mulheres extinguiram o pudor, aquele que, quanto a mim, é das mais sedutoras características da insustentável leveza do ser feminino. As mulheres aniquilaram-no como forma de se equipararem aos homens - sem se aperceberem que nós (leia-se o “homem médio”) sempre fomos o sexo fraco e limítrofe da fronteira humana/animal. Os homens não o extinguiram, apenas o abandonaram involuntariamente porque, como sexo fraco, não conseguem impor a razão à vontade perante um corpo semi-despido ou resistir à gratuitidade do sexo, fortuito e impessoal. O Homem é, historicamente, um derrotado da libido. Numa clara aceitação bovina, as hostes masculinas curvam-se todos os dias perante as elites femininas, assistindo à ascensão dum império construído não sob o suor ou sangue, mas sobre a sua racionalidade passiva.

Quanto a mim, talvez o meu reino não seja deste mundo. Não o é pois não me consigo abstrair da melodiosa métrica do cortejo, nem do romance que me embala os dias, ritmando cada momento. Não o é porque trato uma mulher como uma mulher, não lhes passo à frente nas portas nem subo escadas atrás delas. Não o é pois não me rendo à plasticidade das interacções com o sexo oposto. Não o é porque gosto da prodigiosa ilimitude da imaginação quando fantasio com o momento em que a vejo nua, na recatez de um quarto, mostrando-me sítios só meus, onde só eu posso ir, correndo e suando lado a lado em momentos onde almas e sonhos se cruzam, onde mesmo quando é mau é bom.

Mulher; não tenho espaço para o plural. Se algum dia caí na gratuitidade relacional é por ser um refugiado do sentimento, vivendo no exílio do destino. Mas alguns anos depois, naquela noite alentejana de Agosto, sozinho apesar de rodeado de amigos, entendi finalmente o que David Gahan repetia no refrão que o celebrizou. Tarde demais.

Ao contrário dos meus congéneres, não vibro com grandes mamas nem rabos fantásticos, mas enlouqueço com peles brancas e lisas. Não me iludo com coxas de ginásio nem barrigas tonificadas, mas adoro cabelos e sobrancelhas naturais, rostos sem maquilhagem, cinturas magras, mãos e pés delicados, feições finas, lábios pequenos. Bela, sem efeitos, de uma beleza que acaba de se arrancar ao sono. Não quero vê-la a arranjar-se ou a pentear-se! - é como um mágico explicar os seus truques.

Sou um fascinado da graciosidade feminina. A mulher flutua, hesita, flutua, hesita. Apaixono-me com o pegar duma chávena e o percurso que lhe distancia a mão da boca, o afunilar dos lábios enquanto absorve, o pousar insonoro da chávena. Sentada, observo-lhe a postura, a simetria dos ombros, a inseparação das pernas. Levanta-se e o meu olhar segue-a num caminhar felino, cruzando subtilmente os calcanhares, revelando um bambolear algo infantil. Rendo-me quando vejo a menina que se esconde dentro da mulher independente, autónoma, segura, mas que se entrega à ternura e à protecção de um abraço. “Fragilidade, o teu nome é Mulher”!

O meu reino não é deste mundo. Talvez. Ou talvez tudo isto sejam apenas comparações.