'O homem vulgar, por muito dura que lhe seja a vida, tem pelo menos a felicidade de não a pensar.'


Bernardo Soares in Livro do Desassossego






20/11/2008

Pulp - Disco 2000 (Different Class, 1995)

É inegável o revivalismo que sinto quando agora busco as origens do britrock ou britpop, movimento oriundo do underground londrino pertencente a um certo intelectualismo diletante, inescapavelmente niilista, correspondendo à moderna concepção de dandismo, desenquadradamente adaptados, relaxadamente alinhados, apontando o ridículo do normal, vaporando uma excentricidade moderada (ou irreverência disciplinada - os ingleses têm a palavra certa, kookiness), exaltando a distinção do indíviduo da multidão.
Ícones do ínicio como Pulp ou Suede, que recentemente voltei a procurar, fizeram-me reviver alguns sons eu ouvia já na pré-adolescência, como esta que aqui proponho. Sonoridade quase ejaculatória, letra e história simples (como em tudo o que é genial), e um vídeo de uma métrica clean e algo retro, glamoroso q.b..
Well we were born within one hour of each other.
Our mothers said we could be sister and brother.
Your name is Deborah... Deborah...
It never suited you...
Oh and they thought that when we grew up,
We'd get married, and never split up.
Oh we never did it... although often I thought of it...

Oh Deborah, do you recall? Your house was very small,
With wood chip on the wall. When I came around to call, you didnt notice me at all
So I said: Let's all meet up in the year 2000! Wont it be strange when were all fully grown?
Be there at 2 o'clock by the fountain down the road!
I never knew that youd get married... I would be living down here on my own
On that damp and lonely thursday years ago!

You were the first girl at school to get breasts,
And Martyn said that yours were the best!
Oh the boys all loved you but I was a mess...
I had to watch them trying to get you undressed.
We were friends, but that was as far as it went,
I used to walk you home sometimes but it meant,
Oh it meant nothing to you, 'cos you were so... popular

17/11/2008

Blur - The Story of the Charmless Man


I met him in a crowded room
Where people go to drink away their gloom
He sat me down and so began
The story of a charmless man

Educated the expensive way
He knows his claret from his beaujolais
I think he'd like to have been Ronnie Kray
But then Nature didnt make him that way...

He thinks his educated airs, those family shares,
Will protect him... that we'll respect him
He moves in circles of friends, who just pretend
That they like him; and he does the same to them
And when you put it all together:
Theres the model of a charmless man

He knows the swingers and their cavalry,
Says he can get in anywhere for free...
I began to go a little cross-eyed
And from this charmless man I just had to hide

He talks at speed, he gets nose bleed
He doesnt see his days are tumbling
Down upon him
And yet he tries so hard to please
Hes just so keen for you to listen
But no-ones listening
And when you put it all together:
Theres the model of a charmless man

'(...) O século globalizado já viu duas guerras mundiais de valores. Há vinte anos ainda se lutavam as últimas campanhas do primeiro embate civilizacional mundial, que começara cem anos antes. Tratava-se então de defender a empresa e o mercado contra ataques da sociedade socialista e economia planificada. Como agora, os agressores tinham a certeza de estar com o futuro, o que lhes dava uma raiva e arrogância imparáveis.

Hoje, os mais jovens não conseguem acreditar que ainda nos anos 1970 e 80 as visões marxistas não só eram activas mas consideravam-se a única alternativa razoável. Para os "progressistas" de então, não se tratava de um embate de ideias, mas da luta entre o futuro em ascensão e o passado bafiento, entre defensores da modernidade e cadáveres ideológicos que se desconheciam como tal. Hoje sabemos afinal que cadáveres eram os comunistas. Alguns poucos ainda mexem mas já não defendem nada. Limitam-se a atacar tudo. Saem do túmulo para bramar nas crises. (...)'

João César das Neves, DN 2008.11.17

10/11/2008

Triologia do Desalento – Parte II (escrito em 2008-09-16)

A vida é cor, é luz, é alegria, é movimento. E eu – numa palavra – sou apenas desalento. (…)’.
Jorge Fernando, Fado do Desalento

Odeio frequentemente a pessoa que sou. E sou um milhão de pessoas diferentes de um dia para o outro. Intelectualmente pedante, ofendo, debocho e ataco para, não raramente, mais tarde me contorcer com remorsos; a efemeridade das resoluções que tomo revelam-me que não tenho o mínimo sentido de mim. O meu medo primitivo é ser aquele que tento mudar, imutável, escrupulosamente imune. Temendo o sofrimento, sofro já aquilo que temo.

Mais do que a minha filosofia, mais do que o que escrevo, sou aquilo de que me tento libertar quando o faço. Sou os meus demónios – que tento exorcizar quando escrevo. Porque – tal como Eça – também creio que as cartas de um homem, sendo o produto quente e vibrante da sua vida, contêm mais verdade que a sua filosofia, que é apenas a criação impessoal do seu espírito. Uma vida que se confessa é objecto maior do intelectualismo, é a mais pura realidade humana: crua e egoísta, cheia de amor e de dor, saudade e orgulho.

A vida é um conjunto de acasos que se cruzam a que chamamos destino. O busílis da questão reside agora na dúvida da existência de um plano divinamente prévio, ou não passará tudo duma desordeira desilusão? Qual é a vida e qual é a morte, e qual delas vivo eu agora? Vivo: epifania gramatical do indicativo: eureka da minha prosa.

À escala do relógio solar, tomando como referência para a idade do planeta as vinte e quatro horas diárias, a passagem do Homem pela Terra só dura ainda há um segundo. A relatividade da nossa existência é arrebatadora. E depois de mim? O vácuo existente para além, o nada completo, a demoníaca paz. A resposta é titânica, a uma escala que não compreendemos. Não raramente tenho medo de descobrir a minha real índole; medo do meu destino ser bem maior que eu. Como posso eu morrer se correm por mim como rios tantas ideias, dúvidas, teorias, ânsias; extinguir-se-á com a morte toda a minha curiosidade, todo o meu infinito amor?

O que somos e a preponderância do nosso cunho na existência universal é irrisória. Nada do que eu faça significa. Só me resta o que eu sei e o que eu sinto agora. O eterno pensamento e o inacabável amor. Tudo mais são pormenores, rabiscos floreados num canto da breve sebenta que regista o sucedido entre o parto e o óbito. Resta-me a vontade e o consolo de fazer-lhe milhões de filhos, e em cada um deles amar um bocadinho dela. Porque nada mais somos senão efémeros. A nossa insignificância relativista é abismal. Qualquer coisa que alguém faça, por melhor ou pior que seja, é brutalmente indiferente. A impunidade não mais é senão inglória.

09/11/2008

OOOOOOooooohhhhhhhhhh it seems forever stoped today

all the lonely hearts in London caught a plain and flew away

03/11/2008

Vergílio Ferreira/ Norman Rockwell

'Não és um homem normal. Isso te é uma inferioridade (ou uma superioridade?). Como em tudo o que é diferente. Cultiva a tua diferença. Mas uma diferença pode ser negativa. Esse o teu drama. Porque a tua diferença vai além e fica aquém dos outros. Tu querias ser os outros no em que lhes és inferior e ser diferente no em que lhes és superior. Mas toda a superioridade se paga. Paga e não bufes.'
in 'Conta-Corrente 1'


'Nada ultrapassa o orgulho do rapaz que contempla a sua namorada, vestidos ambos a rigor para o baile, enquanto o homem do bar cheira deliciado a enorme flor que ela tem no vestido (After the Prom, Post, 25/Mai/1957). A maior parte dos artistas do século XX dedicaram-se a contemplar o demónio. Era fácil vê-lo então. No meio do horror, Rockwell preferiu ver Deus. Procurou-o num dos locais onde Ele gosta mais de estar: o próximo, através do dom divino da simpatia.'
João César das Neves, DN, 2008-11-03