'O homem vulgar, por muito dura que lhe seja a vida, tem pelo menos a felicidade de não a pensar.'


Bernardo Soares in Livro do Desassossego






29/01/2009

a melhor banda portuguesa de todos os tempos VS. o melhor som português de todos os tempos


'Por parecer latina suponho que o nome dela
É Maria
Que é casta, eu sei, se é virgem ou não depende
Da nossa fantasia'

27/01/2009

‘ (…) Foi por isso que, apenas a idade me permitiu sair da sujeição dos meus preceptores, deixei completamente o estudo das letras. E, resolvendo-me a não procurar mais outra ciência a não ser a que pudesse descobrir em mim próprio, ou então no grande livro do mundo, empreguei o resto da minha mocidade a viajar, a ver cortes e exércitos, a frequentar pessoas de diversos feitios e condições, a recolher diversas experiências, a experimentar-me a mim próprio no que a fortuna me propusesse, e por toda a parte a reflectir de tal maneira sobre as cousas que se apresentassem que delas pudesse retirar qualquer proveito.

Efectivamente, parecia-me que poderia encontrar muito mais verdade nos raciocínios que cada um faz sobre os assuntos que lhe interessam, e cujas consequências logo se sentem no caso de ter mal julgado, do que naqueles que, no seu gabinete, formula um homem de letras cujas especulações que não produzem efeito algum e que não têm para ele outra consequência a não ser a de aumentarem tanto mais a sua vaidade quanto mais afastadas estiverem do senso comum essas especulações, em virtude do muito espírito e artificio que têm de empregar para as tornar verosímeis. E em mim era sempre grande o desejo de aprender a distinguir o verdadeiro do falso, para ver claro nas minhas acções e caminhar com segurança na vida. (…)’

René Descartes, in Discurso do Método

23/01/2009

Abnegação...

Chovam lírios e rosas no teu colo!
Chovam hinos de glória na tua alma!
Hinos de glória e adoração e calma,
Meu amor, minha pomba e meu consolo!

Dê-te estrelas o céu, flores o solo,
Cantos e aroma o ar e sombra a palmar.
E quando surge a lua e o mar se acalma,
Sonhos sem fim seu preguiçoso rolo!

E nem sequer te lembres de que eu choro...
Esquece até, esquece, que te adoro...
E ao passares por mim, sem que me olhes,

Possam das minhas lágrimas cruéis
Nascer sob os teus pés flores fiéis,
Que pises distraída ou rindo esfolhes!

Antero de Quental

21/01/2009

Memento Mori

O peso da minha existência, com o qual carrego desde que plenamente Sou, fere-me ocasional e inesperadamente com os cortes ardentes da angústia impotente. Como podemos rir e chorar, descontrair e esperar, se um dia morreremos e se esse será, porventura, o fim? Não concebo o vácuo da inexistência. Nem a eternidade asfixiante. Inexistir para sempre? Eternidade é uma palavra demasiado grande para mim. Os meus estreitos conceitos, limitados pela minha condição humana e inerente compreensão, não abarcam a titânica acepção do termo.

E nós, agora? Estes breves momentos em que contemplamos o dom de Ser são a nossa aparição divina. Eu e tu somos os actores dum palco maior, num preciso momento e exacto lugar da magnífica Concepção. Este é o nosso estado de graça, somos salteadores do Tempo, crescendo, vivendo, e, insignificantemente hegemónicos, pseudo-dominando épocas e ecossistemas. Somos os privilegiados espectadores da vida e do momento, sempre tementes do seu trágico desfecho, expectantes do póstumo desígnio. Ou então somos dançarinos do grande orquestra celeste, ou equações químicas resultantes de milhões de condicionantes e processos passados. Ou somos dois figurantes num estúpido argumento dum filme de segunda. Por muito que eufemística ou misticamente perspectivemos, embelezados, a razão, certo é que morreremos. Tu e eu.

Passado. Não mais é do que o futuro, usado. Futuro doutrora, e doutros. Que morreram. Mas já eles tiveram onde nós estamos. E também eles riram, triunfaram, falharam, desperdiçaram o seu tempo no teatro da existência ou então conseguiram coisas fantásticas e viveram vidas fabulosas. Também tiveram filhos, protegeram-nos e amaram-nos, sofreram quando enterraram os pais e hesitaram em dúvidas sobre o fim. E preencheram os dias com amor, esse sentimento infernalmente supremo, tendo provado da sua depressão e euforia, saboreado e aprendido a definição de pleno. Cantaram lamechices românticas, veneraram pormenores insípidos e juraram amor eterno. E hoje, todos eles estão mortos.

A minha arrítmica obsessão de tempo desperdiçado impera: como ser, e para quê ser, presumindo que tudo é efémero e inglório. Interiorizo as definições de vão e finitude e isso assusta-me mais do que tudo. É a nossa própria mortalidade que nos mortifica em vida. O receio da morte nos falar com voz profunda para, no fundo, nada nos dizer… A morte esconde-se nos relógios, na penumbra quase inteligível dos carrascos ponteiros. O único consolo é crer que esta terá mais segredos a revelar que a própria vida. Ou então esperar que, quando o derradeiro momento se aproximar, estejamos demasiado velhos e cansados para atingirmos a sua trágica dimensão. Memento mori. Be mindful of death. Consciencializa-te da tua morte.

16/01/2009

Ao Santos

A (recente) guerra de perfis que temos vindo a observar neste meio levou-me a visitar o teu. Espantado por te definires como lisboeta, ofendido pelo ultraje da usurpação, decepcionado pelo esquecimento das origens, compus alguns versos populares (à la António Aleixo) dedicados a ti, a que fraternalmente chamei:

Santos Se Desprezas Tua Raíz, É Porque Te esqueceste De Como Foste Feliz

Santos, o petiz tímido
Que à escola ia, contrariado.
Ninguém brincava com este menino,
de ar pálido e enjoado.

Santos, o adolescente esquisito,
à sua terra sempre renegou.
Sentava-se na estação, a ouvir o apito
Do comboio em que um dia abalou.

Santos, o beirão recém-chegado
À minha Lisboa, terra do fado:
Nunca disse 'esposa', 'falecer' ou 'derivado',
'Deu por ele', já estava integrado.

Santos, Homem de Seia!
Reclama o que 'tem para si' como seu.
Branca? Nunca mais foi a sua meia,
Ele é maior do que a terra em que nasceu!

Responder ao Vento Leste

estrutura 4 7 4 4 7 4 4 7 4

Não fui surfar, já passa das duas e cedo escurece.
É Domingo e ainda estou na cama…
Não sairei de casa – ignoro a tua prece!
E essa birra que só serve quando se ama.

Hoje, o dia inteiro vou ficar deitado:
Daquela ansiedade, anestesiado
Do frio cortante, reconfortado
Das horas que passam, alheado
Da ausência em mim, alienado.
Quero fumar esta, e depois, intoxicado
Fumar outra, e outra, inconformado.

Não vou ao Mac, nem à taberna galega…
Nem ao Santini, que deve estar a abarrotar.
Não quero pizzas… Vou mandar vir sushi!
Tens €20 que me possas emprestar?

Acabou-se o tabaco (é sempre o primeiro a acabar…)
Não tens pontas? – Procura lá bem!
Não vou ao centro comercial, nem pensar…
No máximo vou à bomba, e sais tu, ‘tá-se bem?

Não quero saber do Zé nem da Teresinha…
Porque é que só falas de merda, posso perguntar?
Não te metas na vida dos outros, nem na minha!
Foda-se, porque é que não fui surfar?
Tenho que arranjar tabaco para te dar de fumar…
Pelo menos por 20 minutos consigo-te calar
Com esses 8 ou 9 bafos que costumas dar.

Começou o teu filme, e eu sei que estás pedrada
Podes vê-lo baixinho? (não te custa nada)
Quero recostar-me e ler Descartes
Aproveitar o que resta desta tarde.

Desde o burlesco ao decadentismo,
Do Discurso do Método ao niilismo,
Sou hedonista, curioso e contemplativo,
Mas dos teus assuntos absortamente me privo.

E agora, eu sou cínico ou frio, por te não falar?
Crê-me, eu sei bem, é tão mais fácil culpar…
À luz do teu feitio estereotipado
Claro que tudo o que te disse é pecado!
(Naturalmente, por ti desde logo censurado)
E se me achas mesmo depravado
É a miopia do teu espírito estagnado e limitado.

Mas, rogo-te, inquere-te: o que é que terás para dar
Quando a cruel fealdade da idade te atacar?
Tu és fútil e coquete: vais envelhecer e ser dondoca
Uma tia petulante, preconceituosa e com personalidade oca!

13/01/2009

' (...) é Goethe quem o lembra, que o particular e o universal coincidem, e assim a palavra do poeta, tão fiel ao homem, acaba por ser palavra de escândalo no seio do próprio homem.

Na verdade, ele nega onde outros afirmam, desoculta o que outros escondem, ousa amar o que outros nem sequer são capazes de imaginar.

Palavra de aflição mesmo quando luminosa, de desejo apesar de serena, rumorosa até quando nos diz o silêncio,

pois esse ser sedento de ser, que é o poeta, tem a nostalgia da unidade, e o que procura é uma reconciliação, uma suprema harmonia entre luz e sombra, presença e ausência, plenitude e carência. '

09/01/2009

Mentecaptidão de um Povo e a Responsabilização da Burguesia

Uma forma de o medíocre convencido imitar a grandeza é não dizer mal de ninguém.’ Vergílio Ferreira

As classes ociosas de uma nação sempre foram a vanguarda do pensamento humano. Só as hostes da languidez poderiam, através dos seus métodos diletantes e lentos, ponderar as reacções do homem com o meio envolvente. Exigir-se reflexão e pensamento abstracto às massas é tão egotista quanto exigir-se a um padre que saiba lutar. As massas estão tão embrumadas na sua luta mensal pela sobrevivência sócio-económica que lhes não pode ser exigida a meditação e cultivação que procuram aqueles que não precisam de trabalhar tanto.

A visão humana, peculiarmente, só alcança na proporção na própria abertura de espírito. É por isso que as classes mais baixas abusam tanto do sal nos cozinhados – porque a sua vivência não lhes deu acesso a outro tipo de condimentos; e por que a classe média come muito mais carne do que peixe, e mais hidratos de carbono do que vegetais – porque esse tipo de informação não foi cultivado, estando demasiadamente ocupados com o trabalho de modo a suportar as prestações e contas para poderem ainda desenvolver preocupações alimentares elitistamente a longo prazo.

Todavia as classes mais elevadas não estão, de forma alguma, isentas à crítica. Conquanto que em relação à classe média e à classe mais baixa é condenável qualquer tipo de pedantismo intelectual, pelo demonstrado no exemplo supra, já no que toca àqueles que mais recursos têm, e, por conseguinte, mais tempo, mais qualidade de vida e mais acesso à cultura, é inqualificavelmente reprovável o desprezo demonstrado pelo pensamento e enriquecimento espiritual.

Almada Negreiros escreveu: ‘O que os burgueses portugueses têm de pior que os outros é o facto de serem portugueses! ’. De facto, aqueles que detêm maior parte do capital estão intoxicados pelo turpor da ostentação, pelo consumismo compulsivo, pelo mau-gosto do exagero, pelas irrequintadas cores berrantes do mundanismo. O consolo dos que da mediocridade padecem é o facto do génio alheio não ser imortal.

A globalização do conceptualismo segundo o qual as drogas encerram um em si não mais do que um escape, contribui unicamente para a exacerbação das limitudes da grande maioria dos que as consomem. Numa conversa com um amigo recentemente licenciado em psicologia formulei a concepção segundo a qual as pessoas que consomem drogas se dividem em dois tipos, para efeitos socializantes: por um lado, os que gostam de conversar desenvoltamente, expandir raciocínios mesmo, por vezes, sozinhos, de modo a conhecer melhor a sua mente; por outro, a maioria, aqueles em que o consumo surge como mero analgésico, receando pensar, estar sozinhos, conversar longamente, limitando-se à obsessão pela música, entrando assim em autêntica dissociação com o que os rodeia, revelando medo de si próprios, e uma profunda mentecaptidão.

E o tempo, amachucado, é deitado fora por via de entretenimentos energúmenos. Convivem cada vez menos: as discotecas são o exemplo paradigmático de como pertencemos a uma geração cujo divertimento de eleição é permanecer horas enclausurado num armazém bafiento e enfumarado, com ensurdecedora música comercial, reduzindo a comunicação a breves gritos ao ouvido dos demais.

Os recursos são gastos de forma a terem um carro mais alemão do que o colega. Consomem, quotidianamente, de uma forma que não pode deixar de ser qualificada como camaleónica: capazes de despender certa quantia por um pull-over Ralph Lauren, optam pelos preços solidarizantes do Lidl para as compras da semana; adquirem sempre o último modelo das novas tecnologias, seja um telemóvel com navegação por satélite ou um LCD de última geração com leitor de blue-ray, mas são incapazes de comprar um fabuloso queijo Havarti ou a raridade fumada do salmonete.
O que se consegue de borla custa demasiado.
John Keynes condenou-nos: ‘a longo prazo, todos estaremos mortos ’.

Dissocializando

O instinto sociopático torna-se em mim, de dia para dia, tão natural como o acto de pestanejar. Reflexo, irreflectido, banal.

À minha volta as massas vivem num tempo de trevas, inteiramente inebriados pelas convenções societárias, que mais se me não afiguram do que as cordas com que são marioneticamente maneados. O ser vulgar, homem médio, sub-existe inerte por entre a anestésica rotina de discotecas e bares, futebol e televisão, filmes e música que lhe é impingida. A cultura livre não existe, pois os parâmetros estão preconcebidos de forma a encarreirar as massas nas baias do absentismo. E a moral – a moral é a monstruosa criação de séculos de trevas, de neblinosas concepções absolutistas sobre Deus e o Homem, Religião e Estado, Nação e Estado, Forma de Estado e Indivíduo. Não provoca, porquanto, qualquer choque em mim afirmar que a Moral está morta.

Apaticamente o reitero. Mas, ao invés de praticamente toda a escola neo-intelectual do Ocidente da última metade do século XX, não defendo a amoralidade do ser (nem, por maioria de razão, a imoralidade, como algumas alas mais radicais, designadamente em certos círculos parisienses, parecem tendenciar). A meu ver, a moral assentará basilarmente sobre a família. Este seria o núcleo da sociedade que eu proporia, à volta da qual se ergueriam mecanismos proteccionistas e desenvolvedores do mesmo.

Não será harmónica a minha posição, visto pender por vezes para o conceito de família-instituição – indubitavelmente a preponderante – tal como Engels propõe a dialéctica monogâmica em Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. Certos sectores, valorativamente anarcas, bradariam certamente ao atingir o proposto. Mas a interpretação tacanha é o desastre do espírito; e o espírito inobservante é o atolo da imaginação, o atrito do progresso. Daí que urja ressalvar de imediato que defendo a total libertinagem de espírito, dentro do livre-arbítrio jurídico-social que incute a cada indivíduo a escolha e consequência dos seus actos (desde que, evidentemente, não sejam nocivos à sociedade, em geral, ou a um terceiro indivíduo, em particular).

Involuntariamente fui perdendo a identidade com o povo a que pertenço. A sociopatia instala-se lentamente. Por vezes apercebo-me que, alheado, estaco na rua observando outros que se parecem comigo, têm a minha pele e o meu cabelo, movem-se como eu, falam a minha língua, riem-se da mesma forma que eu e, não obstante, surgem-me como uma espécie absolutamente estranha. Não concebo uma conversa com um destes seres, tal como não o faço com um cão. A interacção é extraordinariamente limitada e atroz, reduzindo-se ao minimalismo linguístico que permita um entendimento fugazmente civilizacional. Discutir temáticas relevantes, questões profundas, áreas transcendentais com criaturas de índole tão dispare da minha é-me tão inconcebível quanto pedir uma explicação algébrica a um peixe. A sociopatia vence, e governa imperialmente! Tal como a gripe, propaga-se àqueles com que convivo. A culpa pesa-me amiúde, mas como um latejo – pelo que, intermitentemente, me sabe à glória beatificante da influência em espírito alheio.

08/01/2009

No tempo em que se festejava o Natal
O coração acelerava quando acabava a escola.
Receber a família, brincar com primos, fazer coisas que tal…
É o Natal passado que agora me assola.

Depois o Natal foi, mais do que receber presentes
O gozo supremo de tos querer dar.
Viver a época através dos teus olhos, inocentes
E sentir aquela azáfama de to preparar.

Hoje o Natal não mais é do que um dia
Em que me dói a cabeça e o universo.
Tal como Agosto, só me traz melancolia,
E a absurda ausência em que tropeço.

07/01/2009

'Nunca presto atenção ao fazem as pessoas vulgares, e nunca interfiro com o que fazem as pessoas fascinantes.'

Lord Henry
in The Picture of Dorian Gray

05/01/2009

vídeo do ano

'Consigo entender a força bruta. A razão bruta, porém, é-me absolutamente insuportável. É uma afronta ao intelecto.' Lord Henry Wotton

in The Picture of Dorian Gray, Oscar Wilde.

jodie2

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redescoberta do ano

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