'O homem vulgar, por muito dura que lhe seja a vida, tem pelo menos a felicidade de não a pensar.'


Bernardo Soares in Livro do Desassossego






23/12/2010

In the name of heroes, I am Joaquin Phoenix

Nem o Big Brother vai tão longe. I'm still here, documentário sobre Joaquin Phoenix, é uma exposição porventura gratuita de um ator em crise. É um tipo de filme que, normalmente, apenas passaria na secção Director's Cut do IndieLisboa, ou a horas tardias no Canal 2, mas a relevância mediática do protagonista levou-a para as salas de cinema.
(...)
Explique-se, para quem não sabe, que Joaquin Phoenix é um dos mais promissores atores da sua geração, foi duas vezes nomeado para os Óscares.
(...)
Neste filme, está em causa um conceito filosófico, amplo e difícil, de verdade. O que os jogadores de futebol chamam de ser igual a si próprio. Terá sido essa busca de identidade, por oposição às inúmeras peles que, por osso do ofício, os atores são obrigados a vestir, que terá levado Joaquin a permitir este documentário. Aceitou o jogo perigoso, numa sociedade de aparências, de se mostrar intimamente.
(...)
Ao logo de quase dois anos, Joaquin Phoenix foi filmado em todos os seus pecados, taras e manias e intimidades mórbidas. Não há censura, nem balizas. Vemos Joaquin a contratar prostitutas, a snifar coca, a vomitar ou até, para além do imaginável, quando o seu companheiro se vinga dele defecando na sua cara enquanto dorme. Por isso, estamos perante um filme extremo. Um voyeurismo realmente depravado.


16/12/2010

Muito bom



15/12/2010

11/12/2010

Opiário

É antes do ópio que a minh'alma é doente.
Sentir a vida convalesce e estiola
E eu vou buscar ao ópio que consola
Um Oriente ao oriente do Oriente.

Ando expiando um crime numa mala,
Que um avô meu cometeu por requinte.
Tenho os nervos na forca, vinte a vinte,
E caí no ópio como numa vala.

(...)
 
Eu acho que não vale a pena ter
Ido ao Oriente e visto a Índia e a China.
A terra é semelhante e pequenina
E há só uma maneira de viver.

Por isso eu tomo ópio. É um remédio
Sou um convalescente do Momento.
Moro no rés-do-chão do Pensamento
E ver passar a Vida faz-me tédio.

Fumo. Canso. Ah uma terra aonde, enfim,
Muito a leste não fosse o oeste já!
Pra que fui visitar a Índia que há
Se não há Índia senão a alma em mim?

(...)

Não posso estar em parte alguma.
A minha Pátria é onde não estou.
Sou doente e fraco.
O comissário de bordo é velhaco.
Viu-me co'a sueca... e o resto ele adivinha.

Um dia faço escândalo cá a bordo,
Só para dar que falar de mim aos mais.
Não posso com a vida, e acho fatais
As iras com que às vezes me debordo.

Levo o dia a fumar, a beber coisas,
Drogas americanas que entontecem,
E eu já tão bêbado sem nada! Dessem
Melhor cérebro aos meus nervos como rosas.

(...)

Caio no ópio por força. Lá querer
Que eu leve a limpo uma vida destas
Não se pode exigir. Almas honestas
Com horas pra dormir e pra comer,

Que um raio as parta! E isto afinal é inveja.
Porque estes nervos são a minha morte.
Não haver um navio que me transporte
Para onde eu nada queira que o não veja!

(...)

E quem me olhar, há-de-me achar banal,
A mim e à minha vida... Ora! um rapaz...
O meu próprio monóculo me faz
Pertencer a um tipo universal.

Ah quanta alma viverá, que ande metida
Assim como eu na Linha, e como eu mística!
Quantos sob a casaca característica
Não terão como eu o horror à vida?

Não fazer nada é a minha perdição.
Um inútil. Mas é tão justo sê-lo!
Pudesse a gente desprezar os outros
E, ainda que co'os cotovelos rotos,
Ser herói, doido, amaldiçoado ou belo!

(No Canal de Suez, a bordo)

Fernando Nogueira Pessoa




08/12/2010

Provavelmente, perfeita.



' (...)
Sou esfinge subtil no Azul a dominar, 
Com a brancura do cisne ou da neve fria.
Detesto o movimento, e estremeço a harmonia;
Nunca soube o que é rir, nem sei o que é chorar.
(...) '

Baudelaire, Le Fleur du Mal

05/12/2010

Incontaminada e cândida, tantos anos aquém (quantos anos foram?); meretriz da dignidade tombada e do decoro mirrado, hoje, no parque devasso onde os citadinos moribundos do sentimento acorrem, afoitos na busca da vã intimidade, como só pode ser a que se encontra num colo estranho e num ventre batido.

A menina doutrora, que um dia ouviu alguém com a adoração receptiva do vaso repleto, ávido da água germinante, é hoje a puta de olhar fétido, que me fita com o mesmo escopo de um pedinte astuto, incomodada pela minha aparente desatenção.

Percorro com passo apressado o passeio contíguo ao parque dos pecados, infamante do próprio Eduardo, de mãos no sobretudo e olhos no chão, de quando em quando palmilhando furtivamente a humanidade que lhe resta. A miséria esconde-se, improvável, não no seu rosto, mas atrás das janelas entreabertas dos carros que passam com o ajuizador vagar dos desafortunados do sentir; proletários redutores dos prazeres à carne examinam-na com expressões ásperas e másculas, esfregando as mãos crespas por cima de parkas grosseiras. Assumo que não seja fácil de reconhecer - mas existe uma subespécie que, como uma praga, dessensibiliza o Homem, mediocrizando-o aos poucos em virtude da matriz (sobre)vivencial da sociedade rendida ao rei Capital.

E ela, a do colo cansado – e sem que se pretenda aqui utilizar qualquer disfemismo – é a sobra do mundo. Quem dera devolver-lhe a esperança, saber se a menina dança, apresentar-lhe um C.E.O. clemente que lhe não comprasse o abraço e lhe beijasse a nuca enquanto dormia amarrotada numa camisa grande de mais para si, depois do banho, impregnada de aveia; que a levasse a jantar a sítios improváveis, falando-lhe do expressionismo do Pollock e do transtorno existencialista do Vergílio, das vantagens e vicissitudes da possível intervenção do FMI e de como o seu cabelo balouça enquanto mastiga, satisfeita; que a segurasse com a devoção inabalável de um católico filipino nas vésperas da Páscoa sangrenta, exorcizando a pouco e pouco os feitiços dos agrestes homens das janelas semiabertas.

Mas não… passo discreto, remoto por entre a minha fobia, longínquo de salvador e com a culpa de um pecador, expiada pela vergonha e suportação, enquanto ela fica para trás – cada vez mais para trás – entregue à próxima besta. Mas está tudo bem, creio que tudo esteja bem, já dizia o Conde d’Abranhos, ‘ele há questões terríveis’, mas está tudo bem. Onde é que jantamos hoje?

02/12/2010

"interviewer: what do you think about the t.a.t.u. cover of 'how soon is now'?
morrissey: who are t.a.t.u.?
interviewer: they're a couple of teenage russian lesbians.
morrissey: well, aren't we all?"

in NME.com