'O homem vulgar, por muito dura que lhe seja a vida, tem pelo menos a felicidade de não a pensar.'


Bernardo Soares in Livro do Desassossego






29/09/2009


Eu só quero ver o instante
Em que chegas à MANIF,
No teu Armani flamejante
(Qual vermelha passadeira)
Em vermelho redundante
Que empalidece a bandeira.

Vou ficar a ver-te mudo
Gritando slogans na rua
Pela divisão da riqueza;
Enquanto nos gabinetes de veludo
O poder treme e recua
Com medo da tua beleza.

Então dou-te uma toilette,
Soneto de alta costura,
A mais chique maravilha;
Para me sentir perdoado
Por não poder estar a teu lado
Quando tomares a Bastilha

21/09/2009

O Meu Voto Anti-sectário (e não prosélito!) - explicado a todos que não o entendem, como se tivéssemos 15 anos...

Tenho sentido uma extrema dificuldade em reconhecer inteligência aos argumentos da direita. É algo que, se lhes é idiossincrático, me é estigmaticamente incontornável. Simplesmente absorveu-me a ausência de verdade lógica dos seus argumentos; tornou-se demasiado comprometedora para quem se não deixa lograr por sofismas nem acredita no ilusionismo demagógico pós-moderno das democracias ocidentais.

Mas cabe analisar o pensamento direitista em duas vertentes: a económica, e a dos valores.

Fácil se torna, a qualquer pensador, criticar o raciocínio tardo de um direitista, no campo valorativo. Afigura-se-me como um exercício pouco estimulante (é como contra-argumentar com quem acredita na Criação, do Antigo Testamento, em desprimor da Evolução, de Darwin).
Não pretendendo subestimar o pensamento da direita em relação aos valores, é inafastável a qualificação do mesmo como uma cavilosa inércia à mudança e uma tremenda indolência per progresso (não económico; mas enquanto espécie, civilização). A manutenção do presente, e nalguns casos, o restabelecimento do passado, mais não podem ser considerados do que perfeitamente anti-naturas. O pai da dialéctica, Heraclito de Éfeso, ditou há séculos atrás um dos mandamentos da Lógica: ‘A única constante do mundo é a mudança’. Quem contra ela reage apenas poderá ter, creio, uma das duas justificações: ou a prossecução de interesses ocultos pela falácia da retrogradação em nome duma moral e costumes obsoletos; ou age em perfeita nescidade conceptual, dotado duma admirável ausência metafísica, em plena nulidade circunspectante.

Todavia, há circunstâncias envolventes do conservadorismo que, em parte, o desculpabilizam: este já foi explicado cientificamente pela ocorrência de fenómenos neurológicos, que podem ser traduzidos por uma vulgar ‘tacanhez’. Tais reacções químicas no córtex manifestam-se, do meu ponto de vista, em inúmeras situações da vida, como a acomodação de uma mulher ao parceiro que a trata mal, a resignação do empregado ao trabalho que detesta, o conformismo de um obeso com a sua morfologia. Acredito que somente o pensamento livre das algemas da tradição e do dogma pode inverter tal patologia. Mas, fruto da propensão da sociedade moderna para a alienação e entretenimento, imagino como difícil a concretização dessa meditação. Tetrahidrocanabidol, Dietilamida do Ácido Lisérgico ou até Salvia Divinorum ajudam; mas, se a sua fruição for unicamente orientada sob a égide ditatorial do entretenimento, pode ter o efeito contrário, o aprofundamento da alienação pelo que nos rodeia.

O conformismo é um poderoso aliado do conservadorismo. Daí que eu defenda, como substructio do progresso da nossa espécie, o choque geracional. Aquele que busca a aprovação do Pai (entenda-se a sociedade, os professores, os pais em estrito senso, o padre), procurando conservar os hábitos do seu tempo passado, aceitando o que lhe é ensinado por via dessa arma trágica que é a tradição, aceitando o que lhe é ensinado sem o questionar, obsta à volubilidade da sua própria comunidade, abrandando o próprio tempo, promovendo a limitude.

A política actual deve versar, fundamentalmente, sobre economia. Orçamento e gestão pública. As liberdades civis – aborto, legalização de todas as drogas, eutanásia, casamento e adopção gay, prostituição, et cetera – devem ser totalmente liberalizadas (trata-se de uma mera questão de tempo, um processo volitivo de aceitação colectiva de ruptura com a moral de outras Eras – niilismo nietzscheziano) de forma a que a governação se dedique exclusivamente à gestão de recursos e regulação do Mercado, atingindo assim a comunidade o estatuto supremo da liberdade, cumprindo a verdadeira definição de democracia, com cidadãos tolerantes, informados e socialmente responsáveis.
É precisamente na economia que os argumentos da direita ganham força. Economicamente falando, tudo é mais prático e directo. Aqui liberais, neoliberais, keynesianos, neoconservadores, socialistas, nada têm a ver com Moral ou Religião. Tudo gira em torno de teorias económicas e modelos de desenvolvimento. Tal como na matemática, tudo é mais sincero.
É, penso, perfeitamente inequívoco que o motor de uma economia deva assentar na iniciativa privada – desde logo pela natureza intrínseca ao homem (o egotismo) pelo que a obtenção de lucro e a ascensão na hierarquia social como seu corolário são a melhor motivação para o investimento e a consequente geração de riqueza num determinado sistema, consubstanciando este o melhor modelo de desenvolvimento económico.
Afastadas que estão neste início de século, portanto, as teorias absolutistas de ingerência estatal, os totalitarismos económicos e as operações públicas invasivas que caracterizaram o comunismo e o fascismo (e as figuras híbridas que lhes foram subsequentes), foquemo-nos na única via que julgo viável, como vimos acima, para o desenvolvimento económico: a Economia de Mercado.
Partindo da aceitação deste sistema, é aqui que surgem as principais clivagens entre a direita moderna e a esquerda moderna. Clara Ferreira Alves disse há alguns anos que ‘actualmente, ser de esquerda é ser contra os lobbies’. E é precisamente aqui a fronteira entre as duas visões. Enquanto que a esquerda moderna, aceitando a Economia de Mercado como modelo de desenvolvimento, defende contudo uma regulação estatal, através do balizamento de comportamentos económicos, estabelecendo algumas barreiras de forma a impedir o capitalismo selvagem ou desenfreado, a direita, por seu lado, toma a defesa de uma total desregulação do mercado, deixando-o a funcionar per si, pelas forças que nele se movem. Respeitando o entimema, não é preciso ser-se Adam Smith para rapidamente se reconhecer que as mais temíveis forças do mercado são os lobbies (grupos de pressão relativamente aos seus interesses), que desequilibram por completo a justiça do mercado, podendo até dominá-lo por absoluto, se não houver uma contra-força a mediar (o Estado).

Para melhor explicitar esta perspectiva, pensemos num exemplo localizado: uma empresa. É certo que gera riqueza, empregos, impostos e segurança. Não obstante, o seu principal (muitas vezes o único) objectivo é o lucro. Tal advém do anteriormente referido egoísmo humano – e que deve ser aceite como intrínseco, pois é tão natural como a libido, o sentimento de posse, o amor ou a sede. Os empreendedores privados (v.g. as entidades patronais), em última instância, estão focados no lucro. Não na comunidade, nos trabalhadores, nas suas famílias, na segurança dos seus empregos. Tal deve não deve ser negado e é necessário que seja aceite como condição do ser humano.

Com a aplicação deste caso pontual a uma grande escala – ao Mercado – entende-se qual seria o resultado de uma total desregulação do mesmo: a concentração em poucos dos recursos de muitos (e o principal recurso do mundo é a produtividade do trabalho humano). Provavelmente os interesses privados, focados no ganho, acabariam por gradualmente dessagrar uma das maiores conquistas da Humanidade – o Estado Social. Porque o objectivo dos privados será sempre somente o lucro. A direita moderna assenta no conformismo do Homem à sua própria condição egocêntrica, inobservando desigualdades e injustiças geradas pelas suas condutas. Defino-o como uma desresponsabilização suprema das nossas acções enquanto indivíduos que se movem numa comunidade, como se, por via de uma maquiavélica avidez de lucro, pudéssemos artificiosamente subterfugir ao reflexo nos outros dos nossos actos. A orientação do Estado – composto por tantas vontades e orientações diversas entre si – é um garante de sensatez e moderação na economia.

Nascido e desenvolvido na Europa, este Welfare State é o mais proeminente sucesso da nossa humanidade: o cuidar do próximo; encerra, também, o expoente máximo da cidadania, a noção de que a cada indivíduo são indissociáveis um conjunto de direitos e deveres; garante também a intervenção estatal nos efeitos mais flagrantes da pobreza, como a fome e a indigência; promove a regulação de sectores essenciais como o Direito do Trabalho ou a Segurança Social; afiança que a res publica providenciará pela igualdade de oportunidades entre todos, através da Educação Pública e do Sistema Nacional de Saúde; assegura a promoção da concorrência leal nos mercados e o zelo por um sistema judicial célere e independente. São estas as características que nos diferenciam dos EUA, e são estes adiantamentos civilizacionais que nos cumprem defender de cada vez que exercemos o direito de voto.

Sou enfatuadamente apartidário: afasto-me – a bem do rigor intelectual – de qualquer tipo de corporativismo, designadamente dos partidos políticos. Tal como o meu Pai. De formação socialista, nunca se filiou nem fidelizou em nenhum partido, debruçando-se actualmente sobre certos movimentos defensores da democracia participativa. E eu, que já fui filiado nos dois partidos da direita, vou agora votar no Bloco. Conto com a vitória do PS, mas considero fundamental a não obtenção da maioria absoluta. O poder corrompe; os lobbies proliferam mais facilmente se não houver pluripartidarismo na tomada de decisões. Politicamente, sou um moderado. Talvez me reveja actualmente numa esquerda centrista. Considero os radicalismos (políticos) perigosos. Mas acho que a consolidação do Bloco de Esquerda como terceira força política na Assembleia da República seria uma eficaz arma contra as pressões dos grandes grupos económicos, adjudicações duvidosas, derrapagens orçamentais e falta de transparência na gestão dos dinheiros públicos.

17/09/2009

Sentada no desclassificado Metro
Sem classes, divisões ou cor,
Estava a Rosa, entre o brasileiro e o preto
Primorosa, lendo Os Contos de Maldoror.

Igualdade, marca moderna,
Entre tantas, distinta aquela Rosa.
Discreta e morna, vasta soberba
Como a aurora, despertando-me a prosa.

Por que me olhas, evasiva, ó Rosa?
Eu sou Fôlego, submergindo da
ennui
Que colora o vagão cinzento, taciturno,
Condenação dos que andam por aqui.

Vincam-se-lhe dentes brancos nos lábios vivos,
Tez cadavérica com os olhos lívidos;
O cabelo corre-lhe distraído entre os dedos
Rosa és tentação, és os meus ímpetos e medos.

Não me encantes, ó Rosa, sendo cúmplice e conivente;
Não vês – para além do enlameio – que sou apenas sarcasmo?
Não busco o Gräfenberg, nem espero, sou corpo ausente…
Origem do meu crime: farto-me – foge-me o entusiasmo!

Acho que de início me engano e confundo
Impulsivamente, precipita-se-me um ditame,
Par ne pas cherchez dans l’être profond
Une que je ne poux pas penser, Ma Dame…

Errata ao teu blog, MJ: esta é que é a minha personagem preferida de todos os filmes - Cecilia