'O homem vulgar, por muito dura que lhe seja a vida, tem pelo menos a felicidade de não a pensar.'


Bernardo Soares in Livro do Desassossego






17/06/2009

Parte I

E naquela manhã, ninguém morreu. Que ela soubesse, pelo menos. Nem no dia anterior, nem no que se lhe seguiu. Os crisântemos que carregava na mão murchavam como a sua fisionomia. A cada dia menos bonita, a cada dia mais velha, no rotineiro circular do mundo e das horas; e a cada ano que passava lhe pesava o cansaço na inversa proporção da esperança que lhe fugia.
Naquele cemitério de vazios e saudades, numa manhã em que o vento seco levantava a terra das campas que, lúgubre e aquosa, se lhe colava aos lábios húmidos, espreitou por entre dois mausoléus humildes e pareceu-lhe ver-me, sentado, prostrado, escrevendo, esmorecendo.

Como me lembro de a ver passar, na monotonia dos dias, carregando os seus crisântemos e as suas rosas e as suas mágoas pesando-lhe aos ombros. Caminhava com a ligeireza de quem quer passar entre a sentença do destino, com a audácia de quem foge a um sentimento, com a culpa de quem não sabe o que quer.

Danificada como eu, transtornada como eu.
Voltasse atrás e dir-lhe-ia, como a tantas outras, que lhe diria coisa alguma. Porque as palavras limitam-nos. Fossilizam o que é apenas efémero no não-destinado eterno.

A cada dia que passava espreitava como quem não acredita, por entre dois mausoléus de dor; e a cada dia mais bonita, e a cada dia a sua graça era maior.
E eu sonhava – porque tocar é realizar, e a realidade desaponta-me com a brevidade de um soluço – então sonhava. E às vezes atingia aquele anseio quase canibalístico e tortuoso que me não deixa sequer pensar.

Alheada como eu, mortificada como eu. Passa com a malha sombria que lhe dissipa a silhueta e com a mofina saia que lhe esconde a libido, mas lhe denuncia as pernas brancas e finas com a doce penugem escura, e com os calcanhares que tendem para dentro e lhe patenteiam um caminhar amoroso.
As minhas desusadas atracções revelam-se-me uma vez mais à medida que o órgão vomero-nasal lhe rapta as feromonas fugidias.

Inexplicável, incontornável. A congruência reside no insólito, e já tantas vez o expus às minhas repetidas amigas – quais cromos para troca! – parametrizadas pelo vulgar e forjadas pelo profano convencional, que agora mais se me assemelha a uma prelecção ponderada e artificial. Mas não o é! E, de tão farto que estou de depilações equivocadas, dietas malogradas, corpos postiços e trabalhados, cabelos pintados (e o kitsch que só pela profunda definição não lhe vale o privilégio de se dizer mais nada), tantos são os dias que, esticando-me, me tento agarrar ao que resta da minha identificação socio-cultural a este lugar…

As minhas desculpas. Os meus pêsames. Mas ela é a idealização do que me é edénico. Irreal como a vida, virtuosa como o sonho e fervente como só um sentimento pode ser.

Ela não existe.
Só existe na medida do que eu gosto, e do que não encontro. O romantismo é coisa pretérita na sociedade pragmaticamente descartável dos dias correntes. O objectivismo com que se analisa um sentimento, e a tibiez com que se pesa os prós e contras de uma emoção, substituíram os grandes actos dramáticos por Amor – que morreu, asfixiado, no vácuo moderno do companheirismo sexual.

6 comentários:

Anónimo disse...

cada vez k leio os teus textos nao os consgio dissociar de kem os escreve.. pareceme sempre ke te “mascaras” de tristeza negrura e tedio pra no fundo tornares mais te tornares mais interessante :p
Pk n era tao interessante ler sobre uma vida de facilidades em todos os campos possiveis e imaginarios,pois n? qem te conhece sabe k es radicalmente o oposto

bem…"o poeta e um fingidor", la isso e verdade…ou sera um cobarde?k medo de ser feliz?n e a pior especie de cobardia? Conheces esta do teu “mais-k-tudo”? faz mais sentido k nunca :P http://www.youtube.com/watch?v=JY1QaDh0-hw

José disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
José disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
José disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Mightilde disse...

"Só existe na medida do que eu gosto, e do que não encontro."
"substituíram os grandes actos dramáticos por Amor – q"

a começarpor quem?

Anónimo disse...

Ainda há quem apercie o romantismo e viva o amor como se encarnasse a personagem de um qualquer Romeu ou Julieta... mas não será certamente aquele que teme o sofrimento, e que se petrifica com receio de voltar a experienciar a dor outrora sentida.
São pessoas como tu que dão sentido e dignificam o mero "companheirismo sexual"...
Houve tempos em que serias capaz desses actos dramáticos de que falas...
Hoje, só sentes amor por ti mesmo, e todo o teu dramatismo é consumido pelas palavras que escreves..tornando os teus actos totalmente desprovidos de emoção...

M