Que Violência É Essa Que Cheira A Ambre Solaire?
Parte II de III
(continuação)
O Novo perseguia, com o olhar, mas não a pneumática mulher que deliciara a trivial atenção do Outro.
- Há algo de terrificamente belo e ao mesmo tempo invulgarmente honesto na sombra de quem passa. Não há no mundo maior lealdade que a da sombra. Cúmplice, assiste-te no maior pecado, e soberba observa-te na mais maviosa bondade. Creio que sempre me pareceu a alma de quem persegue, despida de vanglórias. É verdadeiramente límpida. É como aquele momento único, sabes quando uma mulher, perfeitamente alinhada contigo, se estica e inclina a cabeça para trás para te chegar aos lábios? É quando lhe consegues ver os olhos semicerrarem e as pupilas dilatando-se em entrega, com o sangue subindo-lhe à face, corando-a de uma lascívia tímida que a embaraça, e mesmo antes de fechares os olhos sentes os corpos renderem-se ao peso do outro, e deixas de perceber como é que se mantêm em pé, e a última coisa que te lembras é pensar que o corpo dela parece estar dobrado para trás, como suspensa no ar, e absorves toda aquela fragilidade, tão crente em ti (!), e morres por um bocadinho?, sabes isso, sabes? Esse momento antes do beijo é beleza pura. A mesma beleza que encontras na sombra de quem passa.
Abandonei qualquer reserva para, incivil, me virar completamente na cadeira e observar o ar perturbado do mais Novo. O ritmo cavalgante atropelava-lhe as fiéis palavras. Humedecia os lábios a cada paragem e as sobrancelhas acompanhavam-lhe o desafogo. A sua expressão procurava algum assentimento do Outro, e o Outro... fitava-me com carregado cariz! E com razão. Dei um gole no café, olhei para as horas, estiquei as pernas, mexi no telefone, procurei o empregado, ouvi o Outro continuar:
- Continuas a ouvir Madchester, estou a ver... – Sim, diz o Novo, e continuou a falar, mas eu já não o ouvi porque só pensava no quão idiota tem um homem que ser para emitir tão desbotada interlocução a tudo a que o mais Novo tinha dito. Quão desprezíveis são esses encurtados de imaginação que sempre tentam etiquetar os outros, justificando-lhes as fantasias, circunscrevendo-os a alguma corrente. Quão moderada será a sua percepção, a ponto de o não deixar ver mais do que a palidez do meramente visível? Quão breves serão os seus conceitos que lhe não permitam abarcar tais paixões?
(continua)
3 comentários:
ta bom demais! quero mais
beijinho
tantoooooooooo tempoooooooooo =P
http://www.youtube.com/watch?v=jWPaMD2j1Sk ----acho qe vais gostar deste!
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