'O kitsch contemporâneo é uma das grandes invenções da pátria. Podíamos exportá-lo se valesse alguma coisa nos mercados internacionais. (...)
Parecemos todos personagens de Gogol, que agora faz anos e que escreveu sobre isto no modo desbocado e genial que lhe conhecem os que o leram. Gogol não escreveu apenas sobre a Rússia, nem sobre os funcionários e burocratas da Rússia. Nem satirizou o governo, nem inventou o realismo, nem tentou reescrever uma "Divina Comédia" completando unicamente o Inferno com Almas Mortas. (...) Gogol foi o autor que melhor retratou essas manifestações do espírito humano reconduzidas a uma palavra que podemos chamar em português "vulgaridade" e que em russo toma o nome de pochlost. Uma espécie de kitsch parecido com o sentido histórico enunciado por Milan Kundera. Seres bizarros iguais a todos nós movem-se, comem e dormem, pensam e circulam na monotonia do pochlost.
Tradução adjectiva: barato, factício, banal, desenxabido, pomposo, de mau gosto; ou inferior, desprezível, pechisbeque, vil, lantejoula, de pacotilha. Como diz Nabokov, este é um mundo de falsos valores que podemos detectar sem precisar de uma especial sagacidade.
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Recoberto pela vulgaridade da "emoção", o pochlost esconde a realidade com o manto diáfano da fantasia. A realidade e a verdade não interessam. Nem são rentáveis. Sobejam o sentimento e a indignação, que cativam o vulgo profano. A falta que nos faz um lúcido descendente de Eça de Queiroz que detecte e descreva esta gente.'
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