'O homem vulgar, por muito dura que lhe seja a vida, tem pelo menos a felicidade de não a pensar.'


Bernardo Soares in Livro do Desassossego






03/12/2008

A Mulher no Tempo e Espaço

Mulheres. No singular para mim, mas isso depende de cada um. Centro do universo, convergência da espiral, raiz profunda no órgão que revivalisticamente bate mais forte. Luz e obra-prima à escala universal.

Mulheres. As que me agradam não constam de nenhum catálogo objectivador das mesmas, FHM's e Maxmen's, Gina's cosmopolitizadas, onde as espécimes são ordeiramente alinhadas pelo tamanho das mamas e dos rabos que não me enganam; onde se expõem de forma camufladamente erótica, mas honrosamente pornográfica, emagrecendo a fantasia, que acaba por se desvanecer, com o folhear das páginas cruas e castradoras de emoções, carnais e passageiras. Com a facilidade com que esgotámos a mulher que vendeu a dignidade nas páginas 4, 6, 7 e 8, procuramos, numa irrealidade sucedânea, a que se despe nas páginas mais à frente. Assim, despidos de romantismo, transpomos para a vida este imediatismo sexual, com a descartibilidade de parceiros e a fisicalidade que horrivelmente o caracterizam.

Desprezo as Carolinas Patrocínios deste mundo, imaginações limitadas em corpos de 19 anos que não são eternos, de sorriso plastificado e olhar vazio, divindades desta Era iconoclasta, onde as massas (estúpidas, numa acepção churchilliana) são servos e senhores ao mesmo tempo, adorando o que lhes é imposto, impondo o que adoram. Ou as Soraias Chaves dos filmes que eu não vi, corpos de prostitutas em caras de saloias, que se pornotraficam e se tornam estrelas de cinema, sob a direcção de cinéfilos beirões, comentadores desportivos num qualquer programa semanal.

As mulheres, por sua vez, envergando a bandeira dum feminismo póstumo ao dos movimentos pela igualdade civil dos anos 60 (que defendo incondicionalmente), camufladas por um neo-sufragismo justificador cuja demanda é tornarem-se os “homens” da actualidade, desrespeitam-se mais agora do que em qualquer outro momento da História. Homens e mulheres extinguiram o pudor, aquele que, quanto a mim, é das mais sedutoras características da insustentável leveza do ser feminino. As mulheres aniquilaram-no como forma de se equipararem aos homens - sem se aperceberem que nós (leia-se o “homem médio”) sempre fomos o sexo fraco e limítrofe da fronteira humana/animal. Os homens não o extinguiram, apenas o abandonaram involuntariamente porque, como sexo fraco, não conseguem impor a razão à vontade perante um corpo semi-despido ou resistir à gratuitidade do sexo, fortuito e impessoal. O Homem é, historicamente, um derrotado da libido. Numa clara aceitação bovina, as hostes masculinas curvam-se todos os dias perante as elites femininas, assistindo à ascensão dum império construído não sob o suor ou sangue, mas sobre a sua racionalidade passiva.

Quanto a mim, talvez o meu reino não seja deste mundo. Não o é pois não me consigo abstrair da melodiosa métrica do cortejo, nem do romance que me embala os dias, ritmando cada momento. Não o é porque trato uma mulher como uma mulher, não lhes passo à frente nas portas nem subo escadas atrás delas. Não o é pois não me rendo à plasticidade das interacções com o sexo oposto. Não o é porque gosto da prodigiosa ilimitude da imaginação quando fantasio com o momento em que a vejo nua, na recatez de um quarto, mostrando-me sítios só meus, onde só eu posso ir, correndo e suando lado a lado em momentos onde almas e sonhos se cruzam, onde mesmo quando é mau é bom.

Mulher; não tenho espaço para o plural. Se algum dia caí na gratuitidade relacional é por ser um refugiado do sentimento, vivendo no exílio do destino. Mas alguns anos depois, naquela noite alentejana de Agosto, sozinho apesar de rodeado de amigos, entendi finalmente o que David Gahan repetia no refrão que o celebrizou. Tarde demais.

Ao contrário dos meus congéneres, não vibro com grandes mamas nem rabos fantásticos, mas enlouqueço com peles brancas e lisas. Não me iludo com coxas de ginásio nem barrigas tonificadas, mas adoro cabelos e sobrancelhas naturais, rostos sem maquilhagem, cinturas magras, mãos e pés delicados, feições finas, lábios pequenos. Bela, sem efeitos, de uma beleza que acaba de se arrancar ao sono. Não quero vê-la a arranjar-se ou a pentear-se! - é como um mágico explicar os seus truques.

Sou um fascinado da graciosidade feminina. A mulher flutua, hesita, flutua, hesita. Apaixono-me com o pegar duma chávena e o percurso que lhe distancia a mão da boca, o afunilar dos lábios enquanto absorve, o pousar insonoro da chávena. Sentada, observo-lhe a postura, a simetria dos ombros, a inseparação das pernas. Levanta-se e o meu olhar segue-a num caminhar felino, cruzando subtilmente os calcanhares, revelando um bambolear algo infantil. Rendo-me quando vejo a menina que se esconde dentro da mulher independente, autónoma, segura, mas que se entrega à ternura e à protecção de um abraço. “Fragilidade, o teu nome é Mulher”!

O meu reino não é deste mundo. Talvez. Ou talvez tudo isto sejam apenas comparações.

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