'O homem vulgar, por muito dura que lhe seja a vida, tem pelo menos a felicidade de não a pensar.'


Bernardo Soares in Livro do Desassossego






03/02/2009

O Elogio da Antipatia (Parte II de IV)

II – A Absolvição Geográfica

Não me orgulho especialmente de ser português. Mas defino-me como tal, não renuncio à nação nem me prostituo com as cores duma bandeira que não a minha. Todavia, reitero o proeminente orgulho de ser europeu, e a convicção socrática de ser um cidadão do mundo, aberto a influências de outros povos, culturas, hábitos. A tacanhez proveniente dos povos que se fecham em si mesmos (verbi gratia, os povos árabes) é por demais evidente e deve constituir um anti-exemplo a todos os que, sob a haste dum patriotismo obsoleto, se manifestam como avessos à pluriculturalidade globalizante. Quem vê o mundo através das brechas duma janela embaciada considera que lá fora tudo é estranho e hostil. Costumes doutros homens doutros sítios afiguram-se-nos como bizarros; desta forma, impossibilitam-se de absorver o que de melhor têm as outras culturas, pois está estabelecido à partida um sentimento estigmatizante em relação ao que nos é alheio. É, pois, naturalmente, que concebo o meu fascínio por culturas mais a norte, à imagem do meu Pai e das minhas convicções sobre a forma de estar em sociedade, e usufruo das influências e inerentes juízos em relação ao perspectivismo de outras do mundo inteiro, mormente de uma certa espiritualidade oriental.

Homogeneizando o país numa palavra, decerto optaria por ‘grosseiro’. E no país dos grosseirismos, a rudeza e o provincianismo reinam, hegemónicas. Um certo transtorno obsessivo compulsivo estreita as ruas por onde passo. A gerentocracia com complexo de esquerda (estadistas da geração de Abril, que por lá estagnaram) deste país inunda-nos de parasitagem social, indigência e Estado-dependentes ansiosos pela fatia desmerecida do final do mês. E eu, preso no sítio onde nasci, sou enclausurado pela pequenez do que me rodeia. Desde as pessoas, os seus juízos prévios, a sua mediocridade, aos seus hábitos. Por exemplo, um sítio como o Lux é-me já quase tão inóspito quanto um mercado ao sábado de manhã. A claustro e a agorafobia estão, em mim, perfeitamente alinhadas com a petulância e a incapacidade de partilhar espaços com a obtusidade dos outros. Voyeur dos espaços públicos, tudo lhes estudo e – abstraindo-me dos estigmas – tento-lhes perceber a essência: e essa pequenez é miseravelmente evidente!
A reprovação que me atinge no olhar dos cépticos, dos ‘politicamente correctos’, ou daqueloutros que atingiram certo altruísmo universal ou certa noção lata de comunidade assente num conceptualismo igualitário balizado pelo amplo desmérito e desqualificação, suscita em mim a peculiar estranheza distanciada de um adulto normal face ao perfeito descabimento de um idoso senil. A incorrecção convencional das minhas opiniões deveria ser jubilada – e a delicadeza com que a exponho imitada pelos que nela se vêem expostos!

4 comentários:

Aurélie disse...

A ligeireza da maneira de ser do “colega”, de quem parece nunca ter preterido uma hora de sono, sem as preocupações dos seus semelhantes, contrasta agrestemente com a gravidade que assina no que escreve.
Como o consegues recalcar?

bisou

The Walrus disse...

'Whether you're Soaraway Sun or BBC 1, misinformation is a weapon of mass destruct'

The Walrus disse...

lol e não se trata de recalcar, obviamente q a 'colega' n leu A Virtude Vulgar, palavras de José Régio publicadas neste blog a 1-JUL-2008. Passo a transcrever:

A virtude vulgar

'Aprende a contar uma anedota; duas anedotas; três anedotas; quatro anedotas... uma anedota diverte muita gente; aprende a polvilhar de blague todas essas ideias sérias, pesadas, profundas, obscuras, - ao cabo simplesmente maçadoras - com que pretendes sufocar (...); aprende a cultivar aquele subtil espírito de futilidade que ligeiramente embriaga como um champanhe, e a toda a gente agrada, lisonjeia todos (...); não queiras ser nem sobretudo sejas mais inteligente ou mais sensível, mais honesto ou mais sincero, mais trabalhador ou mais culto, mais profundo ou mais agudo... numa palavra: superior. Sim, homem! Aprende a ser como os outros, dizendo bem ou mal de tudo e todos - conforme - sem os excederes nem te comprometeres demasiado; e deixa-me lá esses Proustes e esses Gides e esses Dostoievskis e esses Tolstois (vem aí o tempo em que todos esses jarrões serão levados para o sótão!), deixa-me essa estética e essa mística e essa metafísica e essa ética (já o tempo chegou de se ver a inutilidade e o ridículo dessa pretensiosa decoração), deixa-me lá esses estrangeiros, e essas estrangeirices.'

José Régio

Anónimo disse...

..."tipo", em Roma, sê Romano. ;)