I – O Incontornável Ascendente
Foi por culpa da minha Mãe que a simpatia me passou a saber ao adocicado servilismo dos seguidores. Tal como Émile Zola, ‘J’accuse!’. O máximo expoente da solicitude que conheci – fruto da bondade e afectividade da minha Mãe, no limiar do humano, e ao mesmo tempo sua máxima definição – criou-me no espírito um condicionalismo adverso à simpatia latina, que foi evoluindo ao longo da vida; actualmente as minhas concepções de simpatia e provincianismo são absolutamente híbridas, tal como as de dolo eventual e negligência consciente em Direito Penal. De facto, é-me extremamente árduo dissociar alguém simpático, extremamente prestável e solícito, de alguém abelhudo, imiscuído nas vidas alheias, subserviente e humilde (e a humildade é o calcanhar de Aquiles do cinismo – cinismo tão útil a maior parte das vezes!; tão mesquinho nesta vertente).
Foi pela imitação da austeridade do meu Pai que adoptei, desde sempre, a pose altiva com que alguns me vêem. Mas muitos anos mais tarde, quando os juízos de valor passaram a assentar mais no empirismo do que na precipitação, percebi por fim que a sua austeridade nada deve à altivez ou pretensão; tem a ver com a sua perspectiva de civismo e bom-senso. A antipatia e inacessibilidade com que é retratado não passam afinal dum extremo pudor, integridade inabalável, sobriedade virtuosa, postura conservadora (e retrógrada, manifestamente) e de uma necessidade de privacidade e de recatez que se vai repercutir na forma como interage com os outros: com um distanciamento frio, objectivo, educado, e um trato pragmático, ponderado, sintetizador. Apesar da minha obsessiva avaliação permanente de tudo o que me rodeia, são parcos os exemplos de quem concilie no espírito humildade e inacessibilidade. O meu pai consegue-o, fruto de uma tremenda sensatez que não possuo e julgo vir jamais a possuir, fruto dum condicionalismo e vivência radicalmente opostos dos seus.
Mas apesar da intolerância de que me fui revestindo em relação à simpatia da minha Mãe – que conversa com empregadas nos hotéis e se comove por tudo e por nada, tão subserviente à vontade do meu Pai, onde perdeu a autonomia há tantos anos – esta empatia exerceu em mim influência preponderante, concedo. E foi a dicotomia dos dois extremos de direcções opostas que os meus pais encerram que acabou por formar em mim carácter frio e impenetrável, segregador e dissidente em relação aos demais, e comocionado, protector e possessivo com os meus. Em defesa do rigor científico e analítico do meu pensamento, devo conceder que a petulância, megalomania e narcisismo que me assolam provêm de circunstâncias diversas destas, na minha opinião indissociáveis do esforço insípido e duma languidez que agora procuro combater, e que nada têm a ver com os meus pais. Importante nesta fase é realçar a importância do ascendente da minha Mãe na humanização do meu espírito, incutindo-lhe alguma benignidade misericordiosa e uma afectividade inabalável tão própria dos povos latinos, e a conduta irrepreensível do meu Pai, ídolo maior, porém inatingível, detentor duma hombridade que me guia e que tento, ingratamente, adaptar aos dias em que vivemos, estranhos aos seus, e à minha própria índole, mimada, facilitada, hedonista, tão longe do seu método, tão díspare do seu espírito de trabalho, rígida disciplina e aquela auto-contenção que só possuem os que, com sacrifício pessoal, subiram a pulso na vida.
Foi por culpa da minha Mãe que a simpatia me passou a saber ao adocicado servilismo dos seguidores. Tal como Émile Zola, ‘J’accuse!’. O máximo expoente da solicitude que conheci – fruto da bondade e afectividade da minha Mãe, no limiar do humano, e ao mesmo tempo sua máxima definição – criou-me no espírito um condicionalismo adverso à simpatia latina, que foi evoluindo ao longo da vida; actualmente as minhas concepções de simpatia e provincianismo são absolutamente híbridas, tal como as de dolo eventual e negligência consciente em Direito Penal. De facto, é-me extremamente árduo dissociar alguém simpático, extremamente prestável e solícito, de alguém abelhudo, imiscuído nas vidas alheias, subserviente e humilde (e a humildade é o calcanhar de Aquiles do cinismo – cinismo tão útil a maior parte das vezes!; tão mesquinho nesta vertente).
Foi pela imitação da austeridade do meu Pai que adoptei, desde sempre, a pose altiva com que alguns me vêem. Mas muitos anos mais tarde, quando os juízos de valor passaram a assentar mais no empirismo do que na precipitação, percebi por fim que a sua austeridade nada deve à altivez ou pretensão; tem a ver com a sua perspectiva de civismo e bom-senso. A antipatia e inacessibilidade com que é retratado não passam afinal dum extremo pudor, integridade inabalável, sobriedade virtuosa, postura conservadora (e retrógrada, manifestamente) e de uma necessidade de privacidade e de recatez que se vai repercutir na forma como interage com os outros: com um distanciamento frio, objectivo, educado, e um trato pragmático, ponderado, sintetizador. Apesar da minha obsessiva avaliação permanente de tudo o que me rodeia, são parcos os exemplos de quem concilie no espírito humildade e inacessibilidade. O meu pai consegue-o, fruto de uma tremenda sensatez que não possuo e julgo vir jamais a possuir, fruto dum condicionalismo e vivência radicalmente opostos dos seus.
Mas apesar da intolerância de que me fui revestindo em relação à simpatia da minha Mãe – que conversa com empregadas nos hotéis e se comove por tudo e por nada, tão subserviente à vontade do meu Pai, onde perdeu a autonomia há tantos anos – esta empatia exerceu em mim influência preponderante, concedo. E foi a dicotomia dos dois extremos de direcções opostas que os meus pais encerram que acabou por formar em mim carácter frio e impenetrável, segregador e dissidente em relação aos demais, e comocionado, protector e possessivo com os meus. Em defesa do rigor científico e analítico do meu pensamento, devo conceder que a petulância, megalomania e narcisismo que me assolam provêm de circunstâncias diversas destas, na minha opinião indissociáveis do esforço insípido e duma languidez que agora procuro combater, e que nada têm a ver com os meus pais. Importante nesta fase é realçar a importância do ascendente da minha Mãe na humanização do meu espírito, incutindo-lhe alguma benignidade misericordiosa e uma afectividade inabalável tão própria dos povos latinos, e a conduta irrepreensível do meu Pai, ídolo maior, porém inatingível, detentor duma hombridade que me guia e que tento, ingratamente, adaptar aos dias em que vivemos, estranhos aos seus, e à minha própria índole, mimada, facilitada, hedonista, tão longe do seu método, tão díspare do seu espírito de trabalho, rígida disciplina e aquela auto-contenção que só possuem os que, com sacrifício pessoal, subiram a pulso na vida.
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