29/01/2009
a melhor banda portuguesa de todos os tempos VS. o melhor som português de todos os tempos
'Por parecer latina suponho que o nome dela
É Maria
Que é casta, eu sei, se é virgem ou não depende
Da nossa fantasia'
27/01/2009
‘ (…) Foi por isso que, apenas a idade me permitiu sair da sujeição dos meus preceptores, deixei completamente o estudo das letras. E, resolvendo-me a não procurar mais outra ciência a não ser a que pudesse descobrir em mim próprio, ou então no grande livro do mundo, empreguei o resto da minha mocidade a viajar, a ver cortes e exércitos, a frequentar pessoas de diversos feitios e condições, a recolher diversas experiências, a experimentar-me a mim próprio no que a fortuna me propusesse, e por toda a parte a reflectir de tal maneira sobre as cousas que se apresentassem que delas pudesse retirar qualquer proveito.
Efectivamente, parecia-me que poderia encontrar muito mais verdade nos raciocínios que cada um faz sobre os assuntos que lhe interessam, e cujas consequências logo se sentem no caso de ter mal julgado, do que naqueles que, no seu gabinete, formula um homem de letras cujas especulações que não produzem efeito algum e que não têm para ele outra consequência a não ser a de aumentarem tanto mais a sua vaidade quanto mais afastadas estiverem do senso comum essas especulações, em virtude do muito espírito e artificio que têm de empregar para as tornar verosímeis. E em mim era sempre grande o desejo de aprender a distinguir o verdadeiro do falso, para ver claro nas minhas acções e caminhar com segurança na vida. (…)’
Efectivamente, parecia-me que poderia encontrar muito mais verdade nos raciocínios que cada um faz sobre os assuntos que lhe interessam, e cujas consequências logo se sentem no caso de ter mal julgado, do que naqueles que, no seu gabinete, formula um homem de letras cujas especulações que não produzem efeito algum e que não têm para ele outra consequência a não ser a de aumentarem tanto mais a sua vaidade quanto mais afastadas estiverem do senso comum essas especulações, em virtude do muito espírito e artificio que têm de empregar para as tornar verosímeis. E em mim era sempre grande o desejo de aprender a distinguir o verdadeiro do falso, para ver claro nas minhas acções e caminhar com segurança na vida. (…)’
René Descartes, in Discurso do Método
23/01/2009
Abnegação...
Chovam lírios e rosas no teu colo!
Chovam hinos de glória na tua alma!
Hinos de glória e adoração e calma,
Meu amor, minha pomba e meu consolo!
Dê-te estrelas o céu, flores o solo,
Cantos e aroma o ar e sombra a palmar.
E quando surge a lua e o mar se acalma,
Sonhos sem fim seu preguiçoso rolo!
E nem sequer te lembres de que eu choro...
Esquece até, esquece, que te adoro...
E ao passares por mim, sem que me olhes,
Possam das minhas lágrimas cruéis
Nascer sob os teus pés flores fiéis,
Que pises distraída ou rindo esfolhes!
Antero de Quental
Chovam hinos de glória na tua alma!
Hinos de glória e adoração e calma,
Meu amor, minha pomba e meu consolo!
Dê-te estrelas o céu, flores o solo,
Cantos e aroma o ar e sombra a palmar.
E quando surge a lua e o mar se acalma,
Sonhos sem fim seu preguiçoso rolo!
E nem sequer te lembres de que eu choro...
Esquece até, esquece, que te adoro...
E ao passares por mim, sem que me olhes,
Possam das minhas lágrimas cruéis
Nascer sob os teus pés flores fiéis,
Que pises distraída ou rindo esfolhes!
Antero de Quental
21/01/2009
Memento Mori
O peso da minha existência, com o qual carrego desde que plenamente Sou, fere-me ocasional e inesperadamente com os cortes ardentes da angústia impotente. Como podemos rir e chorar, descontrair e esperar, se um dia morreremos e se esse será, porventura, o fim? Não concebo o vácuo da inexistência. Nem a eternidade asfixiante. Inexistir para sempre? Eternidade é uma palavra demasiado grande para mim. Os meus estreitos conceitos, limitados pela minha condição humana e inerente compreensão, não abarcam a titânica acepção do termo.
E nós, agora? Estes breves momentos em que contemplamos o dom de Ser são a nossa aparição divina. Eu e tu somos os actores dum palco maior, num preciso momento e exacto lugar da magnífica Concepção. Este é o nosso estado de graça, somos salteadores do Tempo, crescendo, vivendo, e, insignificantemente hegemónicos, pseudo-dominando épocas e ecossistemas. Somos os privilegiados espectadores da vida e do momento, sempre tementes do seu trágico desfecho, expectantes do póstumo desígnio. Ou então somos dançarinos do grande orquestra celeste, ou equações químicas resultantes de milhões de condicionantes e processos passados. Ou somos dois figurantes num estúpido argumento dum filme de segunda. Por muito que eufemística ou misticamente perspectivemos, embelezados, a razão, certo é que morreremos. Tu e eu.
Passado. Não mais é do que o futuro, usado. Futuro doutrora, e doutros. Que morreram. Mas já eles tiveram onde nós estamos. E também eles riram, triunfaram, falharam, desperdiçaram o seu tempo no teatro da existência ou então conseguiram coisas fantásticas e viveram vidas fabulosas. Também tiveram filhos, protegeram-nos e amaram-nos, sofreram quando enterraram os pais e hesitaram em dúvidas sobre o fim. E preencheram os dias com amor, esse sentimento infernalmente supremo, tendo provado da sua depressão e euforia, saboreado e aprendido a definição de pleno. Cantaram lamechices românticas, veneraram pormenores insípidos e juraram amor eterno. E hoje, todos eles estão mortos.
A minha arrítmica obsessão de tempo desperdiçado impera: como ser, e para quê ser, presumindo que tudo é efémero e inglório. Interiorizo as definições de vão e finitude e isso assusta-me mais do que tudo. É a nossa própria mortalidade que nos mortifica em vida. O receio da morte nos falar com voz profunda para, no fundo, nada nos dizer… A morte esconde-se nos relógios, na penumbra quase inteligível dos carrascos ponteiros. O único consolo é crer que esta terá mais segredos a revelar que a própria vida. Ou então esperar que, quando o derradeiro momento se aproximar, estejamos demasiado velhos e cansados para atingirmos a sua trágica dimensão. Memento mori. Be mindful of death. Consciencializa-te da tua morte.
E nós, agora? Estes breves momentos em que contemplamos o dom de Ser são a nossa aparição divina. Eu e tu somos os actores dum palco maior, num preciso momento e exacto lugar da magnífica Concepção. Este é o nosso estado de graça, somos salteadores do Tempo, crescendo, vivendo, e, insignificantemente hegemónicos, pseudo-dominando épocas e ecossistemas. Somos os privilegiados espectadores da vida e do momento, sempre tementes do seu trágico desfecho, expectantes do póstumo desígnio. Ou então somos dançarinos do grande orquestra celeste, ou equações químicas resultantes de milhões de condicionantes e processos passados. Ou somos dois figurantes num estúpido argumento dum filme de segunda. Por muito que eufemística ou misticamente perspectivemos, embelezados, a razão, certo é que morreremos. Tu e eu.
Passado. Não mais é do que o futuro, usado. Futuro doutrora, e doutros. Que morreram. Mas já eles tiveram onde nós estamos. E também eles riram, triunfaram, falharam, desperdiçaram o seu tempo no teatro da existência ou então conseguiram coisas fantásticas e viveram vidas fabulosas. Também tiveram filhos, protegeram-nos e amaram-nos, sofreram quando enterraram os pais e hesitaram em dúvidas sobre o fim. E preencheram os dias com amor, esse sentimento infernalmente supremo, tendo provado da sua depressão e euforia, saboreado e aprendido a definição de pleno. Cantaram lamechices românticas, veneraram pormenores insípidos e juraram amor eterno. E hoje, todos eles estão mortos.
A minha arrítmica obsessão de tempo desperdiçado impera: como ser, e para quê ser, presumindo que tudo é efémero e inglório. Interiorizo as definições de vão e finitude e isso assusta-me mais do que tudo. É a nossa própria mortalidade que nos mortifica em vida. O receio da morte nos falar com voz profunda para, no fundo, nada nos dizer… A morte esconde-se nos relógios, na penumbra quase inteligível dos carrascos ponteiros. O único consolo é crer que esta terá mais segredos a revelar que a própria vida. Ou então esperar que, quando o derradeiro momento se aproximar, estejamos demasiado velhos e cansados para atingirmos a sua trágica dimensão. Memento mori. Be mindful of death. Consciencializa-te da tua morte.
19/01/2009
16/01/2009
Ao Santos
A (recente) guerra de perfis que temos vindo a observar neste meio levou-me a visitar o teu. Espantado por te definires como lisboeta, ofendido pelo ultraje da usurpação, decepcionado pelo esquecimento das origens, compus alguns versos populares (à la António Aleixo) dedicados a ti, a que fraternalmente chamei:
Santos Se Desprezas Tua Raíz, É Porque Te esqueceste De Como Foste Feliz
Santos, o petiz tímido
Que à escola ia, contrariado.
Ninguém brincava com este menino,
de ar pálido e enjoado.
Santos, o adolescente esquisito,
à sua terra sempre renegou.
Sentava-se na estação, a ouvir o apito
Do comboio em que um dia abalou.
Santos, o beirão recém-chegado
À minha Lisboa, terra do fado:
Nunca disse 'esposa', 'falecer' ou 'derivado',
'Deu por ele', já estava integrado.
Santos, Homem de Seia!
Reclama o que 'tem para si' como seu.
Branca? Nunca mais foi a sua meia,
Ele é maior do que a terra em que nasceu!
Santos Se Desprezas Tua Raíz, É Porque Te esqueceste De Como Foste Feliz
Santos, o petiz tímido
Que à escola ia, contrariado.
Ninguém brincava com este menino,
de ar pálido e enjoado.
Santos, o adolescente esquisito,
à sua terra sempre renegou.
Sentava-se na estação, a ouvir o apito
Do comboio em que um dia abalou.
Santos, o beirão recém-chegado
À minha Lisboa, terra do fado:
Nunca disse 'esposa', 'falecer' ou 'derivado',
'Deu por ele', já estava integrado.
Santos, Homem de Seia!
Reclama o que 'tem para si' como seu.
Branca? Nunca mais foi a sua meia,
Ele é maior do que a terra em que nasceu!
Responder ao Vento Leste
estrutura 4 7 4 4 7 4 4 7 4
Não fui surfar, já passa das duas e cedo escurece.
É Domingo e ainda estou na cama…
Não sairei de casa – ignoro a tua prece!
E essa birra que só serve quando se ama.
Hoje, o dia inteiro vou ficar deitado:
Daquela ansiedade, anestesiado
Do frio cortante, reconfortado
Das horas que passam, alheado
Da ausência em mim, alienado.
Quero fumar esta, e depois, intoxicado
Fumar outra, e outra, inconformado.
Não vou ao Mac, nem à taberna galega…
Nem ao Santini, que deve estar a abarrotar.
Não quero pizzas… Vou mandar vir sushi!
Tens €20 que me possas emprestar?
Acabou-se o tabaco (é sempre o primeiro a acabar…)
Não tens pontas? – Procura lá bem!
Não vou ao centro comercial, nem pensar…
No máximo vou à bomba, e sais tu, ‘tá-se bem?
Não quero saber do Zé nem da Teresinha…
Porque é que só falas de merda, posso perguntar?
Não te metas na vida dos outros, nem na minha!
Foda-se, porque é que não fui surfar?
Tenho que arranjar tabaco para te dar de fumar…
Pelo menos por 20 minutos consigo-te calar
Com esses 8 ou 9 bafos que costumas dar.
Começou o teu filme, e eu sei que estás pedrada
Podes vê-lo baixinho? (não te custa nada)
Quero recostar-me e ler Descartes
Aproveitar o que resta desta tarde.
Desde o burlesco ao decadentismo,
Do Discurso do Método ao niilismo,
Sou hedonista, curioso e contemplativo,
Mas dos teus assuntos absortamente me privo.
E agora, eu sou cínico ou frio, por te não falar?
Crê-me, eu sei bem, é tão mais fácil culpar…
À luz do teu feitio estereotipado
Claro que tudo o que te disse é pecado!
(Naturalmente, por ti desde logo censurado)
E se me achas mesmo depravado
É a miopia do teu espírito estagnado e limitado.
Mas, rogo-te, inquere-te: o que é que terás para dar
Quando a cruel fealdade da idade te atacar?
Tu és fútil e coquete: vais envelhecer e ser dondoca
Uma tia petulante, preconceituosa e com personalidade oca!
Não fui surfar, já passa das duas e cedo escurece.
É Domingo e ainda estou na cama…
Não sairei de casa – ignoro a tua prece!
E essa birra que só serve quando se ama.
Hoje, o dia inteiro vou ficar deitado:
Daquela ansiedade, anestesiado
Do frio cortante, reconfortado
Das horas que passam, alheado
Da ausência em mim, alienado.
Quero fumar esta, e depois, intoxicado
Fumar outra, e outra, inconformado.
Não vou ao Mac, nem à taberna galega…
Nem ao Santini, que deve estar a abarrotar.
Não quero pizzas… Vou mandar vir sushi!
Tens €20 que me possas emprestar?
Acabou-se o tabaco (é sempre o primeiro a acabar…)
Não tens pontas? – Procura lá bem!
Não vou ao centro comercial, nem pensar…
No máximo vou à bomba, e sais tu, ‘tá-se bem?
Não quero saber do Zé nem da Teresinha…
Porque é que só falas de merda, posso perguntar?
Não te metas na vida dos outros, nem na minha!
Foda-se, porque é que não fui surfar?
Tenho que arranjar tabaco para te dar de fumar…
Pelo menos por 20 minutos consigo-te calar
Com esses 8 ou 9 bafos que costumas dar.
Começou o teu filme, e eu sei que estás pedrada
Podes vê-lo baixinho? (não te custa nada)
Quero recostar-me e ler Descartes
Aproveitar o que resta desta tarde.
Desde o burlesco ao decadentismo,
Do Discurso do Método ao niilismo,
Sou hedonista, curioso e contemplativo,
Mas dos teus assuntos absortamente me privo.
E agora, eu sou cínico ou frio, por te não falar?
Crê-me, eu sei bem, é tão mais fácil culpar…
À luz do teu feitio estereotipado
Claro que tudo o que te disse é pecado!
(Naturalmente, por ti desde logo censurado)
E se me achas mesmo depravado
É a miopia do teu espírito estagnado e limitado.
Mas, rogo-te, inquere-te: o que é que terás para dar
Quando a cruel fealdade da idade te atacar?
Tu és fútil e coquete: vais envelhecer e ser dondoca
Uma tia petulante, preconceituosa e com personalidade oca!
13/01/2009
' (...) é Goethe quem o lembra, que o particular e o universal coincidem, e assim a palavra do poeta, tão fiel ao homem, acaba por ser palavra de escândalo no seio do próprio homem.
Na verdade, ele nega onde outros afirmam, desoculta o que outros escondem, ousa amar o que outros nem sequer são capazes de imaginar.
Palavra de aflição mesmo quando luminosa, de desejo apesar de serena, rumorosa até quando nos diz o silêncio,
pois esse ser sedento de ser, que é o poeta, tem a nostalgia da unidade, e o que procura é uma reconciliação, uma suprema harmonia entre luz e sombra, presença e ausência, plenitude e carência. '
Na verdade, ele nega onde outros afirmam, desoculta o que outros escondem, ousa amar o que outros nem sequer são capazes de imaginar.
Palavra de aflição mesmo quando luminosa, de desejo apesar de serena, rumorosa até quando nos diz o silêncio,
pois esse ser sedento de ser, que é o poeta, tem a nostalgia da unidade, e o que procura é uma reconciliação, uma suprema harmonia entre luz e sombra, presença e ausência, plenitude e carência. '
10/01/2009
09/01/2009
Mentecaptidão de um Povo e a Responsabilização da Burguesia
‘Uma forma de o medíocre convencido imitar a grandeza é não dizer mal de ninguém.’ Vergílio Ferreira
As classes ociosas de uma nação sempre foram a vanguarda do pensamento humano. Só as hostes da languidez poderiam, através dos seus métodos diletantes e lentos, ponderar as reacções do homem com o meio envolvente. Exigir-se reflexão e pensamento abstracto às massas é tão egotista quanto exigir-se a um padre que saiba lutar. As massas estão tão embrumadas na sua luta mensal pela sobrevivência sócio-económica que lhes não pode ser exigida a meditação e cultivação que procuram aqueles que não precisam de trabalhar tanto.
A visão humana, peculiarmente, só alcança na proporção na própria abertura de espírito. É por isso que as classes mais baixas abusam tanto do sal nos cozinhados – porque a sua vivência não lhes deu acesso a outro tipo de condimentos; e por que a classe média come muito mais carne do que peixe, e mais hidratos de carbono do que vegetais – porque esse tipo de informação não foi cultivado, estando demasiadamente ocupados com o trabalho de modo a suportar as prestações e contas para poderem ainda desenvolver preocupações alimentares elitistamente a longo prazo.
Todavia as classes mais elevadas não estão, de forma alguma, isentas à crítica. Conquanto que em relação à classe média e à classe mais baixa é condenável qualquer tipo de pedantismo intelectual, pelo demonstrado no exemplo supra, já no que toca àqueles que mais recursos têm, e, por conseguinte, mais tempo, mais qualidade de vida e mais acesso à cultura, é inqualificavelmente reprovável o desprezo demonstrado pelo pensamento e enriquecimento espiritual.
Almada Negreiros escreveu: ‘O que os burgueses portugueses têm de pior que os outros é o facto de serem portugueses! ’. De facto, aqueles que detêm maior parte do capital estão intoxicados pelo turpor da ostentação, pelo consumismo compulsivo, pelo mau-gosto do exagero, pelas irrequintadas cores berrantes do mundanismo. O consolo dos que da mediocridade padecem é o facto do génio alheio não ser imortal.
A globalização do conceptualismo segundo o qual as drogas encerram um em si não mais do que um escape, contribui unicamente para a exacerbação das limitudes da grande maioria dos que as consomem. Numa conversa com um amigo recentemente licenciado em psicologia formulei a concepção segundo a qual as pessoas que consomem drogas se dividem em dois tipos, para efeitos socializantes: por um lado, os que gostam de conversar desenvoltamente, expandir raciocínios mesmo, por vezes, sozinhos, de modo a conhecer melhor a sua mente; por outro, a maioria, aqueles em que o consumo surge como mero analgésico, receando pensar, estar sozinhos, conversar longamente, limitando-se à obsessão pela música, entrando assim em autêntica dissociação com o que os rodeia, revelando medo de si próprios, e uma profunda mentecaptidão.
E o tempo, amachucado, é deitado fora por via de entretenimentos energúmenos. Convivem cada vez menos: as discotecas são o exemplo paradigmático de como pertencemos a uma geração cujo divertimento de eleição é permanecer horas enclausurado num armazém bafiento e enfumarado, com ensurdecedora música comercial, reduzindo a comunicação a breves gritos ao ouvido dos demais.
Os recursos são gastos de forma a terem um carro mais alemão do que o colega. Consomem, quotidianamente, de uma forma que não pode deixar de ser qualificada como camaleónica: capazes de despender certa quantia por um pull-over Ralph Lauren, optam pelos preços solidarizantes do Lidl para as compras da semana; adquirem sempre o último modelo das novas tecnologias, seja um telemóvel com navegação por satélite ou um LCD de última geração com leitor de blue-ray, mas são incapazes de comprar um fabuloso queijo Havarti ou a raridade fumada do salmonete.
As classes ociosas de uma nação sempre foram a vanguarda do pensamento humano. Só as hostes da languidez poderiam, através dos seus métodos diletantes e lentos, ponderar as reacções do homem com o meio envolvente. Exigir-se reflexão e pensamento abstracto às massas é tão egotista quanto exigir-se a um padre que saiba lutar. As massas estão tão embrumadas na sua luta mensal pela sobrevivência sócio-económica que lhes não pode ser exigida a meditação e cultivação que procuram aqueles que não precisam de trabalhar tanto.
A visão humana, peculiarmente, só alcança na proporção na própria abertura de espírito. É por isso que as classes mais baixas abusam tanto do sal nos cozinhados – porque a sua vivência não lhes deu acesso a outro tipo de condimentos; e por que a classe média come muito mais carne do que peixe, e mais hidratos de carbono do que vegetais – porque esse tipo de informação não foi cultivado, estando demasiadamente ocupados com o trabalho de modo a suportar as prestações e contas para poderem ainda desenvolver preocupações alimentares elitistamente a longo prazo.
Todavia as classes mais elevadas não estão, de forma alguma, isentas à crítica. Conquanto que em relação à classe média e à classe mais baixa é condenável qualquer tipo de pedantismo intelectual, pelo demonstrado no exemplo supra, já no que toca àqueles que mais recursos têm, e, por conseguinte, mais tempo, mais qualidade de vida e mais acesso à cultura, é inqualificavelmente reprovável o desprezo demonstrado pelo pensamento e enriquecimento espiritual.
Almada Negreiros escreveu: ‘O que os burgueses portugueses têm de pior que os outros é o facto de serem portugueses! ’. De facto, aqueles que detêm maior parte do capital estão intoxicados pelo turpor da ostentação, pelo consumismo compulsivo, pelo mau-gosto do exagero, pelas irrequintadas cores berrantes do mundanismo. O consolo dos que da mediocridade padecem é o facto do génio alheio não ser imortal.
A globalização do conceptualismo segundo o qual as drogas encerram um em si não mais do que um escape, contribui unicamente para a exacerbação das limitudes da grande maioria dos que as consomem. Numa conversa com um amigo recentemente licenciado em psicologia formulei a concepção segundo a qual as pessoas que consomem drogas se dividem em dois tipos, para efeitos socializantes: por um lado, os que gostam de conversar desenvoltamente, expandir raciocínios mesmo, por vezes, sozinhos, de modo a conhecer melhor a sua mente; por outro, a maioria, aqueles em que o consumo surge como mero analgésico, receando pensar, estar sozinhos, conversar longamente, limitando-se à obsessão pela música, entrando assim em autêntica dissociação com o que os rodeia, revelando medo de si próprios, e uma profunda mentecaptidão.
E o tempo, amachucado, é deitado fora por via de entretenimentos energúmenos. Convivem cada vez menos: as discotecas são o exemplo paradigmático de como pertencemos a uma geração cujo divertimento de eleição é permanecer horas enclausurado num armazém bafiento e enfumarado, com ensurdecedora música comercial, reduzindo a comunicação a breves gritos ao ouvido dos demais.
Os recursos são gastos de forma a terem um carro mais alemão do que o colega. Consomem, quotidianamente, de uma forma que não pode deixar de ser qualificada como camaleónica: capazes de despender certa quantia por um pull-over Ralph Lauren, optam pelos preços solidarizantes do Lidl para as compras da semana; adquirem sempre o último modelo das novas tecnologias, seja um telemóvel com navegação por satélite ou um LCD de última geração com leitor de blue-ray, mas são incapazes de comprar um fabuloso queijo Havarti ou a raridade fumada do salmonete.
O que se consegue de borla custa demasiado.
John Keynes condenou-nos: ‘a longo prazo, todos estaremos mortos ’.
Dissocializando
O instinto sociopático torna-se em mim, de dia para dia, tão natural como o acto de pestanejar. Reflexo, irreflectido, banal.
À minha volta as massas vivem num tempo de trevas, inteiramente inebriados pelas convenções societárias, que mais se me não afiguram do que as cordas com que são marioneticamente maneados. O ser vulgar, homem médio, sub-existe inerte por entre a anestésica rotina de discotecas e bares, futebol e televisão, filmes e música que lhe é impingida. A cultura livre não existe, pois os parâmetros estão preconcebidos de forma a encarreirar as massas nas baias do absentismo. E a moral – a moral é a monstruosa criação de séculos de trevas, de neblinosas concepções absolutistas sobre Deus e o Homem, Religião e Estado, Nação e Estado, Forma de Estado e Indivíduo. Não provoca, porquanto, qualquer choque em mim afirmar que a Moral está morta.
Apaticamente o reitero. Mas, ao invés de praticamente toda a escola neo-intelectual do Ocidente da última metade do século XX, não defendo a amoralidade do ser (nem, por maioria de razão, a imoralidade, como algumas alas mais radicais, designadamente em certos círculos parisienses, parecem tendenciar). A meu ver, a moral assentará basilarmente sobre a família. Este seria o núcleo da sociedade que eu proporia, à volta da qual se ergueriam mecanismos proteccionistas e desenvolvedores do mesmo.
Não será harmónica a minha posição, visto pender por vezes para o conceito de família-instituição – indubitavelmente a preponderante – tal como Engels propõe a dialéctica monogâmica em Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. Certos sectores, valorativamente anarcas, bradariam certamente ao atingir o proposto. Mas a interpretação tacanha é o desastre do espírito; e o espírito inobservante é o atolo da imaginação, o atrito do progresso. Daí que urja ressalvar de imediato que defendo a total libertinagem de espírito, dentro do livre-arbítrio jurídico-social que incute a cada indivíduo a escolha e consequência dos seus actos (desde que, evidentemente, não sejam nocivos à sociedade, em geral, ou a um terceiro indivíduo, em particular).
Involuntariamente fui perdendo a identidade com o povo a que pertenço. A sociopatia instala-se lentamente. Por vezes apercebo-me que, alheado, estaco na rua observando outros que se parecem comigo, têm a minha pele e o meu cabelo, movem-se como eu, falam a minha língua, riem-se da mesma forma que eu e, não obstante, surgem-me como uma espécie absolutamente estranha. Não concebo uma conversa com um destes seres, tal como não o faço com um cão. A interacção é extraordinariamente limitada e atroz, reduzindo-se ao minimalismo linguístico que permita um entendimento fugazmente civilizacional. Discutir temáticas relevantes, questões profundas, áreas transcendentais com criaturas de índole tão dispare da minha é-me tão inconcebível quanto pedir uma explicação algébrica a um peixe. A sociopatia vence, e governa imperialmente! Tal como a gripe, propaga-se àqueles com que convivo. A culpa pesa-me amiúde, mas como um latejo – pelo que, intermitentemente, me sabe à glória beatificante da influência em espírito alheio.
À minha volta as massas vivem num tempo de trevas, inteiramente inebriados pelas convenções societárias, que mais se me não afiguram do que as cordas com que são marioneticamente maneados. O ser vulgar, homem médio, sub-existe inerte por entre a anestésica rotina de discotecas e bares, futebol e televisão, filmes e música que lhe é impingida. A cultura livre não existe, pois os parâmetros estão preconcebidos de forma a encarreirar as massas nas baias do absentismo. E a moral – a moral é a monstruosa criação de séculos de trevas, de neblinosas concepções absolutistas sobre Deus e o Homem, Religião e Estado, Nação e Estado, Forma de Estado e Indivíduo. Não provoca, porquanto, qualquer choque em mim afirmar que a Moral está morta.
Apaticamente o reitero. Mas, ao invés de praticamente toda a escola neo-intelectual do Ocidente da última metade do século XX, não defendo a amoralidade do ser (nem, por maioria de razão, a imoralidade, como algumas alas mais radicais, designadamente em certos círculos parisienses, parecem tendenciar). A meu ver, a moral assentará basilarmente sobre a família. Este seria o núcleo da sociedade que eu proporia, à volta da qual se ergueriam mecanismos proteccionistas e desenvolvedores do mesmo.
Não será harmónica a minha posição, visto pender por vezes para o conceito de família-instituição – indubitavelmente a preponderante – tal como Engels propõe a dialéctica monogâmica em Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. Certos sectores, valorativamente anarcas, bradariam certamente ao atingir o proposto. Mas a interpretação tacanha é o desastre do espírito; e o espírito inobservante é o atolo da imaginação, o atrito do progresso. Daí que urja ressalvar de imediato que defendo a total libertinagem de espírito, dentro do livre-arbítrio jurídico-social que incute a cada indivíduo a escolha e consequência dos seus actos (desde que, evidentemente, não sejam nocivos à sociedade, em geral, ou a um terceiro indivíduo, em particular).
Involuntariamente fui perdendo a identidade com o povo a que pertenço. A sociopatia instala-se lentamente. Por vezes apercebo-me que, alheado, estaco na rua observando outros que se parecem comigo, têm a minha pele e o meu cabelo, movem-se como eu, falam a minha língua, riem-se da mesma forma que eu e, não obstante, surgem-me como uma espécie absolutamente estranha. Não concebo uma conversa com um destes seres, tal como não o faço com um cão. A interacção é extraordinariamente limitada e atroz, reduzindo-se ao minimalismo linguístico que permita um entendimento fugazmente civilizacional. Discutir temáticas relevantes, questões profundas, áreas transcendentais com criaturas de índole tão dispare da minha é-me tão inconcebível quanto pedir uma explicação algébrica a um peixe. A sociopatia vence, e governa imperialmente! Tal como a gripe, propaga-se àqueles com que convivo. A culpa pesa-me amiúde, mas como um latejo – pelo que, intermitentemente, me sabe à glória beatificante da influência em espírito alheio.
08/01/2009
No tempo em que se festejava o Natal
O coração acelerava quando acabava a escola.
Receber a família, brincar com primos, fazer coisas que tal…
É o Natal passado que agora me assola.
Depois o Natal foi, mais do que receber presentes
O gozo supremo de tos querer dar.
Viver a época através dos teus olhos, inocentes
E sentir aquela azáfama de to preparar.
Hoje o Natal não mais é do que um dia
Em que me dói a cabeça e o universo.
Tal como Agosto, só me traz melancolia,
E a absurda ausência em que tropeço.
O coração acelerava quando acabava a escola.
Receber a família, brincar com primos, fazer coisas que tal…
É o Natal passado que agora me assola.
Depois o Natal foi, mais do que receber presentes
O gozo supremo de tos querer dar.
Viver a época através dos teus olhos, inocentes
E sentir aquela azáfama de to preparar.
Hoje o Natal não mais é do que um dia
Em que me dói a cabeça e o universo.
Tal como Agosto, só me traz melancolia,
E a absurda ausência em que tropeço.
07/01/2009
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